Pra ver a sucata passar.

Não sei quando começou mas um dia, e a partir de então cada dia mais, o homem foi ficando ansioso, aflito, estressado, histérico, acelerado ou quase maluco. De repente um monte de coisas novas pipocavam aqui e ali. Mal dava tempo de tê-las que já velhas estavam. E tal a rotatividade que em pouco tempo o importante não era mais o valor de uso mas seu valor de desuso. Não sentia ele mais tesão algum em usar pois quando vinha a usar, ele já fixara-se em algo que ainda não tinha e que viria a usar em breve. E assim até atravancar a atmosfera de intocado entulho. E as indústrias do mundo inteiro passaram a produzir sucata em escala. E os homens e mulheres do mundo inteiro passaram a desejar sucata. Entra sucata, sai sucata. Mal entra, já sai. Mal sai, já entra mais. E a terra virou um enorme estômago. Um estômago que come sucata e caga sucata.

E foi assim com tudo e todos. E é assim com tudo e todos.

Eu por exemplo me considero um glutão. De sucata, claro. Mas tem sucata que eu gosto mais que outras. Sucatas tecnológicas adoro. Um sucateiro inventou uma sucata formidável no MIT, já começo a me roer as entranhas de desejo. E quando ela é exposta nos templos cibernéticos, faço de tudo para possuí-la. Não olho o preço. Só o prazo de entrega. E quando chega bonitinha na minha casinha, isso depois de muitos pesadelos porque a rainha da sucata é uma instituição chamada correios com corpo e cabeça de sucata enferrujada, defloro a coitada no colo como se aquela fosse a última gozada da minha vida. E depois? Ué, o que se faz com sucata? Jogo fora.

Tem outras sucatas que aprecio também muito. As sucatas informativas por exemplo. Alguém falou e eu já estou como um cão tarado digerindo aquilo com sofreguidão. As sucatas de idéias também: alguém pensou e cá estou dissecando-a freneticamente. E por aí vai.

E, adivinhem quem é o símbolo da sucata de fim de milênio? Ora, a Internet, é claro. E eu ia falar dessa sucata agora, mas será que adianta? Porque seu fascínio reside na sua formidável capacidade de criar, produzir e digerir sucata.

Nesse fim de milênio, meio peixe indo pro áquario, o que interessa mesmo é o derramar, o fluxo. É como se fosse necessário deixar passar e passar o mais possível para aumentar o débito. Não importa mais armazenar e construir, só deixar passar. Porque o que está vindo agora não dá nem pro gosto. Não dá para sacar o que vem por aí. Só dá pra saber que é inevitável e quanto antes chegar melhor.

Por enquanto, o que se pode ver é que esse fluxo está provocando muitas inundações por aí, destruindo estruturas, abalando alicerces. Basta ver as crises financeiras dos últimos tempos. O dinheiro voa na velocidade da luz. Sai daqui e pinta ali num piscar de olhos e uma cochilada dos governos. O dinheiro é parte desse fluxo. E isso vai piorar. Muito e graças a Deus.

Portanto, o segredo é arreganhar as tornerinhas, abrir as comportas. Ajudar a sucata a passar. Mas antes de tudo cair na real e entender que tudo não passa de sucata. Sucata que só se justifica para alargar o débito. Alargar a banda. Mas sucata, portanto por si só, inútil.

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