Monthly Archives: July 1999

Retroceder jamais.

Se você estiver a fim de lançar um produto, um serviço, uma estratégia de divulgação, uma campanha, um foguete ou sua sogra a vereadora, comece pela Internet. Você pode fazer tudo certinho, bem planejadinho e inteligentemente mas, se você esqueceu a Internet, dançou, a mídia espontânea vai te desprezar solenemente. Gozado mesmo isso. Meia dúzia de bannerzinhos que custaram algumas patacas de veiculação e meia horinha de trabalho na agência dão tanta repercussão quanto um filme milionário. Incrível. O que dizer então da supervalorização virtual das empresas web oriented.

Fazer o quê? Ué, melhor fazer igual.

Alguns falaram em espuma cybersônica e por isso mesmo fizeram caretas de desprezo sobre o assunto. Estão comendo poeira agora. Muita poeira.

Outros, mais arrivistas, ficaram excitados com tanta boa vontade aparente. Montaram estruturas de opereta com muito blablablá vazio para a mídia e lançaram estratégias tapumes. Estes ainda sobrevivem, toscamente escondidos atrás de seus discursos, prêmios, RPs e chantilly, muito chantilly. Pobres Janotas defendendo suas máscaras.

Bom, e tem os outros também, claro e viva. Os estressados entusiastas da primeira hora. Aqueles “it´s about changing the world we are talking about” ou melhor “It´s about money we are stressing about”.

Mas vou falar agora daquela que, sem dúvida, é a maior fábrica de espuma do planeta Web, a Starmedia.

Tudo começou muito esquisito. Lançaram um portal para “los hermanos chicanos e brasileños”. De onde tiraram esse conceito obviamente alienígena?

Aí, insistiram. Mais esquisitices. Contrataram gente. Um monte de caciques brazucas. Depois torraram uma boa grana na mídia com uma campanha vaga, anunciando um produto vago, para um público mais vago ainda.

E alguns apostaram: deve ser excentricidade de quem não sabe o que fazer com tanta grana ou a crônica de uma falência anunciada.

Mas continuou a saga: saíram comprando empresas, tirando dinheiro de alguma cornucópia mágica. Mas, então, você entrava lá e continuava o mesmo inexplicável depósito de ilusionismo.

Só que a estratégia continuou paciente e firme.

Então acontece a proeza. De espuma em espuma, aquilo toma vulto, forma e peso. Cresce, se multiplica, num piscar de olhos vale quase 3 bilhões de dólares e deixa todos, todos sem exceção, estarrecidos. Mais incrível ainda: a Starmedia é hoje um player consistente e agressivo. Joga pesado e está incomodando muita gente: os estressados, os da poeira e os da opereta.

Vai entender essa tal de Internet.

A imprensa cyborg.

É noite na campina. Bafo quente e aquele silêncio. Medo dessa escuridão toda. Medo de quê? Medo de ver o que não se quer ver. Mas, se não se pode ver, tal a escuridão, qual é o medo? Olhos cerrados não vêem e tampouco dão medo. Mas esse pensar dá mais medo ainda. Deixa pra lá.

Eis que sobe da ravina um, dois, três, muitos zumbidos. Mais medo. Medo de ouvir sem ver. Mas por quê? Deixa pra lá. E de repente a campina acende fugaz. Um casebre pisca e apaga. Uma moita. Pisca e apaga. A estrada e o casebre. Piscam e apagam. A ravina e a moita. Piscam e apagam. O casebre, a estrada, a moita e eu. Piscamos e apagamos. E o medo? O medo também, apaga e pisca. Meu medo a mercê das bundas fluorescentes dos vagalumes.

E é dessas luzes fugidias que insistimos em retratar nosso ambiente, nossa história. Como se o piscar fosse capaz de descrever todo o horizonte, as nuvens, o campo, o ritmo do andar, o pulso do vento, o medo.

Certa imprensa, a grande imprensa, a imprensa de massa trabalha assim, iluminando aqui e ali. Fatos, acontecimentos, personagens. Números e mais números. E vamos nos norteando nestes clarões. Quase às apalpadelas.

Assim, quando esta imprensa ilumina o casebre e a estrada, está ocultando o precipício que está diante dos meus pés. Quando ela está acendendo a moita, não ilumina a tempestade que ocupa todo o céu.

Pois ela não sabe fazer história. Tão somente documenta-a com seus fragmentos factuais, pequenos clarões em um todo vago e confuso.

Tampouco sabe contar estórias. A pressa é tanta, a urgência do furo é tal, que o estilo escorrega. Fatos e números não apaixonam.

Então, o que tristemente lemos e vemos por aí é uma imprensa monossilábica, almanaque. O leitor, contaminado, tem sua atenção e capacidade de pensar adormecida. E quanto mais adormecido está, mais permeável. Daí, é fácil fazer malabarismos e prestidigitação com o seu senso crítico. Afinal de contas, números não se discutem. Mas números são apenas vagalumes.

E agora, neste mundo que aposentou o mitológico em favor do bitológico, neste mundo que vive no limite do tempo e do espaço, estes pequenos clarões não são mais capazes de aplacar o medo do escuro. E na correria do fechamento, agora medido em minutos e não mais em dias, aleija-se a análise, avacalha-se o estilo. E com isso, perde-se a capacidade de entender, e o prazer de sentir, o todo.

Notícia, furo, dados, pesquisas, personagens. Commodities em liquidação. Na Internet notícia não vale nada porque não tem autor. Na Internet furo não existe porque todos chupam. Na Internet, dados não têm peso porquê não são exclusivos.

A imprensa tradicional não está ameaçada pela membrana digital porque os veículos físicos são obsoletos. Ela está ameaçada porque está perdendo a capacidade de expressar o todo. Está ameaçada porque o repórter, o jornalista, o editor está num processo compulsivo de autocastração. Eles se cobram daquilo que não tem mais valor. Capam-se da intuição, da crítica, da análise.

Quais seriam os papeis da mídia digital e da física neste novo cenário? Com quem ficaria a análise e quem se ocuparia dos fatos? Mas sequer vemos essa preocupação atravessar a grande imprensa. Tampouco na Internet. Está tudo igual. Fatos, fatos e fatos.

Acho que trocaram o nervo ótico pelo microscópio.

Em um mundo altamente técnico e científico, ganha seus títulos de nobreza aquele que for capaz de quantificar. E isso para todos e tudo. Números e estatísticas. Mas qual é a essência da imprensa? Afinal de contas, com o que ela lida? Com a observação, com a criação, com a inteligência muito antes do vômito de números e estatísticas. Observar, escrever e falar virou ciência exata agora?

E daí meu medo. Meu medo de ver um todo que pisca timidamente, iluminado ao bel prazer e racionalidade de vagalumes . Lumes vagos.

Auto ajuda e clonagem.

Outro dia fui assistir uma aula em uma dessas faculdades que despejam anualmente milhares de desempregados potenciais no mercado. Saí de lá aterrorizado.

Outro dia folhei uma dessas revistas que entulham as mesas dos marketólogos. Algumas páginas depois, arremessei a maldita no lixo, apavorado.

Outro dia, estava conversando em uma roda de executivos. Depois de duas formuletas “a nível de globalização e sinergia” emudeci até o final.

O mundo está estranho mesmo.

Nas escolas se ensinam modelos e mais modelos apodrecidos expressos por professores cansados quando não caducos.

Nas empresas, engole-se literatura barata e normatizante. Compêndios de auto-ajuda escritos nas coxas de gurus aposentados.

Nos happy hours arrotam-se as duas babaquices anteriores com ares de winner e bolso de looser.

É que no fundo, no fundo, está todo mundo apavorado com a velocidade das transformações. E nessa sociedade que cobra sucesso e onde este sucesso significa sucesso material, a gente se agarra à primeira bóia jogada ao mar. Dá pra entender. Só que não funciona.

Esse negócio de reproduzir modelos antigos, cartilhas e dogmas é pouco e bobo.

Os compêndios de auto ajuda são para o homem moderno o que o rosário e a penitência são para o retirante da seca. É que o paraíso é outro, mais palpável e se chama sucesso material. É que os santos são outros e se chamam Bill Gates ou Jeff Bezos. É que os templos são outros e se chamam Shopping Centers ou quinta avenida. Mas na prática toda essa classe meeira, esses leitores de gráficos e adágios econômicos, esses crachás humanos são retirantes travestidos.

O que estes não viram é que os tais gurus, os tais modelos foram premiados com o sucesso exatamente pela capacidade que tiveram de não reproduzir modelos. Capacidade de criar. Capacidade de transgredir. Os Bill Gates, Bezos, Soros, J.P. Lehman são grandes subversivos, isso sim.

Pois quando se estudam os modelos, o objetivo não deve ser jamais de aprendê-lo mas sim de entendê-lo. Mas não, as escolas, as empresas, os meios de comunicação não ensinam a entender mas a aprender. Não ensinam a criar mas a copiar. Não ensinam a pensar mas a executar.

E como é que se ensina a pensar? Pois pensar é igual a criar. Esse povo que lê essas revistas estúpidas muito melhor faria se aprendesse a pintar, escrever, tocar fagote, a cozinhar ou a fazer tricô. De que serve aprender tricô se devo me preocupar a aumentar a participação de mercado do meu produto? Não sei, mas tente porque com certeza, aquelas fórmulas que você acha que está dominando, além de serem igualmente usadas pelos seus concorrentes, já são velhas quando chegam às prateleiras ou à redação das suas revistas favoritas.

É assustador verificar que o grande motor da mídia de massa é a sua capacidade intrínseca de clonar a mediocridade. E o mais engraçado é que chamam isso de democratização do conhecimento. Pois mais parece uma democratização da estupidez. O mesmo vale para as escolas e sua voracidade comercial de produzir robôs em série. E as empresas transformando humanos em cartões de ponto.

Fuja das escolas, fuja da mídia de massa e fuja dos cursos babacas. Compre um cavalete e lambuze os dedos. Compre um Bashô e feche os olhos. Compre um cavaquinho, um triângulo, um apito. Seja homem!