Exercício de des-abstração. Internet? Não fazemos.

– Bom dia Seu Fábio. Ouvi muito falar da sua empresa. Eu gostaria de convidá-lo a participar de um processo de seleção que nossa organização está iniciando visando escolher o parceiro ideal para liderar nossas ações de comunicação. Eu apenas gostaria de lhe perguntar se a sua empresa também faz criação?
– Hã, como?
– Isso, criação, e também mídia, planejamento, pesquisa, essas coisas da propaganda, o Senhor entende?

Surreal não é mesmo? Agora, façam o seguinte: substituam por exemplo as palavras grifadas por webvertising, programação, webdesign, arquitetura de informação, Internet.

Assim:

– Eu apenas gostaria de lhe perguntar se a sua empresa faz Internet?
– Hã, como?
– Isso, Internet, e também webvertising, programação, webdesign, arquitetura de informação, essas coisas da Internet, o Senhor entende?

Nada de surreal agora. Pior. A frase ficou quase tão comum que já está ficando chata. Mas o interessante é que a primeira é tão sem sentido quanto a segunda.

Para muita gente, a Internet ainda é uma nebulosa abstrata, na qual trafegam, com isonomia, uma fauna de cyberloucos, psicodélicos, visionários, profetas, gafanhotos e outros bichos. Mas deixemos, por ora, o embate psico-social de lado. Minha idéia é menos ambiciosa e apaixonante: como é que as empresas estão reagindo à invasão venusiana da data-esfera (sic)?

Numa tentativa de tipificação, existem no Brasil 4 tipos de reação padrão:

1) Internet, hã?
Essas são aquelas gigantonas engessadas há décadas em pólices de comunicação castradoras. Para elas a Internet é uma bactéria trazida por alienígenas que está contaminando as populações de forma exponencial. Para elas portanto, o assunto Internet é um caso de saúde pública e não de comunicação.

2) Internet, sei!
Essas são outras igualmente atrofiadas na sua capacidade de aceitar e entender mudanças. A diferença aqui é que as tais pólices de comunicação são cabrestos mais soltos e que estimulam o papel exploratório dos funcionários. Mas exploratório não significa opinativo e muito menos decisório. Para essas empresas a regra é o parti pris chupado de algum manual ou revista de vulgarização pseudo científica, pseudo neurolinguística. Citando: “Internet é a nível de processo, sinergias e reengenharias, o futuro, a democracia, a grande revolução. Internet, acredito muito nela. Viva a cibernética”. Após o discurso inflamado, a Internet volta a ser aquele assunto chato de nerd.

3) Internet, vejamos…
Aqui, temos empresas mais ousadas e em processo endêmico de reestruturação, ebulição e interrogação. Essas são aquelas organizações esfuziantes, cheias de idéias e com alto índice de amor à camisa. Para essas, Internet é o que ela é de fato, uma grande bagunça, uma enorme promessa e uma membrana fascinante. Aqui, via de regra, estamos sempre inventando, refazendo, questionando. Nessas empresas, a regra é a insatisfação com os resultados “ah, essa cenoura que nunca chega”. Organizações desse tipo ainda estão estudando e para elas a Web não sai muito da esfera da comunicação. Ainda não enxergaram a rede com seu potencial de reinventar o seu negócio.

4) Internet, ufa!
Posto que estamos sempre nos referindo a grandes corporações, é extremamente difícil encontrar esse tipo de atitude frente à Web, com exceção de algumas empresas de tecnologia ou outras dot com companies. Falo do Brasil claro. Por razões óbvias, essas empresas sacaram a Web como um enorme potencial de criar marcas, serviços, fidelização, consumidores e dinheiro. Para elas, Internet não é um assunto, tampouco tema de uma matéria. Internet é o ambiente no qual respiram. Alguém aqui já pensou em fazer uma matéria dirigida a um público de marketólogos e marketeiros que fala de oxigênio, ozônio e gases poluentes. É certo que não.

Empresas do tipo “hã” devem aposentar seus dirigentes. Não há tempo para reciclá-los. Jurássicos demais.

Para as “sei”, quem sabe a lobotomia seria mais indicada porque não existe nada mais irritante do que essa presunção medieval.

Os “vejamos” vão ler essa matéria e enlouquecer imediatamente suas equipes em intermináveis reuniões apocalípticas.

Já os “ufistas”, cuja capacidade de absorção de novas idéias é imediata e intuitiva, sequer vão ler essa matéria. Eles não têm tempo a perder com o passado, só o presente lhes pertence.

E quem discutirá o futuro?

Ora, a fauna de cyberloucos, psicodélicos, visionários, profetas, gafanhotos e outros bichos. Deus os proteja.

0 thoughts on “Exercício de des-abstração. Internet? Não fazemos.

Leave a Reply to kinokamoto Cancel reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Connect with Facebook