A revolução do seu Samuel.

Lambris de madeira, lustres de cristal, espelho barroco, cinco telefones na mesa e um surpreendente video wall de controle de todo o escritório. Do alto de seus 77 anos, seu Samuel tronava sobre um império construído nos escombros de mais uma memorável história de guerra, fuga, imigração, lombo de burro e lojinha no centro.

“Eu vou lhes dizer o que eu penso da Internet. Depois meus filhos continuam o assunto.

Eu costumo fazer sauna, sabem? Eu gosto de ir lá para ouvir e ficar atualizado. Um senhor estava lá, contando que o namorado de sua neta havia lhe sugerido vender suas 200 lojas e montar uma na Internet. E não é que o homem está fazendo isso? Só não fez ainda porque não tem o dinheiro necessário para pagar a demissão de seus 500 funcionários.”

Neste instante, seu Samuel interrompe o relato, olha discretamente para as câmeras, para a foto do ancião barbudo no porta retrato, toma fôlego e retoma com ares proféticos:

“Pois eu acho o seguinte: a Internet vai provocar uma grande revolução. Uma revolução como nunca foi vista antes.”

Eu já ia me aprontando para interpor mais uma obviedade do tipo “mais ela já começou Seu Samuel” quando o homem levanta e dedo em riste vocifera:

“Mas não é nada dessa revolução que vocês estão pensando não. As pessoas vão correr na rua para quebrar todos os computadores do planeta. Fogueiras serão erguidas nas praças para queimar essas máquinas todas. Enormes autos da fé em nome do direito ao trabalho, em nome da humanidade. O que está acontecendo no mundo é uma violência. Uma vergonha. Todo mundo vai voltar a pegar o lápis para fazer contas, escrever bilhetes e cartas de amor. Vamos todos voltar a nos olhar nos olhos e falar com a boca e com o coração.”

Seu Samuel senta novamente em sua poltrona, suspira e interroga novamente o sábio do porta retrato.

“Então eu vou dizer o que acho da Internet. Depois vocês falam com meus filhos. Vocês vão fazer o site da minha empresa. Uma coisa bonita e atraente. Mas vender NEM PENSAR. Se o meu cliente quiser comprar, ele vai vir aqui na minha lojinha, sentar na minha mesa, olhar as minhas jóias e conversar comigo. Vender, só na minha lojinha.”

Seduzido pela autoridade e paixão do Seu Samuel, olhei envergonhado para meu colega. Onde estava, naquele instante, meu entusiasmo, minha crença, meu discurso moderno? Um grande vazio se interpôs entre mim e aquele simpático velhinho. Sem argumentos nem forças, olhei para o barbudão do porta retrato com um aperto no coração, um gosto amargo na boca e uma vontade de arremessar ao longe meu palm pilot e meu celular. Uma enorme vontade de voltar pra casa, regar o jardim, bater um bolo e escrever uma carta para o meu amor.

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