Vocês já perceberam como o correio virou o maior arquivo físico de besteiras e inutilidades do mundo? Vocês também não recebem um monturo de bobagens? Pois é, quem é que em sã consciência mandaria algo de importante pelo correio? Onde já se viu enviar palavras de amor por carta? Deus me livre! É capaz de ir para o lixo junto com aqueles folhetos inúteis, jornaizinhos estúpidos, convites idiotas, brindes sem graça. Quem quer falar sério, manda e-mail, não é mesmo?
Nada disso.
Moderno e sério mesmo é deitar palavras numa papel, ficar com a língua melada de colar o selo e jogar o envelope naquela fenda sensual e misteriosa.
Não existe nada mais excitante no mundo do que receber uma carta de verdade, escrita com tinta de verdade, trazida por uma mão de verdade de um carteiro de verdade. Nada mais excitante do que abrir o envelope devagarzinho, escorregar a carta para fora, alisar as dobrinhas do papel, esticar a folha e suspirar antes, durante e depois de ler.
Vamos tomar 5 minutos do nosso tempo e pensar um pouco.
Vivemos cercados por métodos, regras, normas, padrões, siglas, modelos, sistemáticas, powerpoints, esquemas, briefings, índices, fórmulas, bulletpoints, formalidades, números, protocolos, recibos, códigos, inputs, outputs e a puts que o pariu.
Para não falar das mensagens criadas, produzidas, veiculadas, designadas, fotografadas, animadas, filmadas, pop-upadas, pesquisadas, destrinchadas, tabuladas, targetadas, focadas, conceituadas, powerpointadas, nielsenadas, ibopadas, marplanadas, datafolhadas e outras manadas.
De vez em quando, tenho a sensação de estar soterrado em um mundo de diálogos pré-formatados, respostas-padrão, personalizações de araque. A sensação de me comunicar com gráficos, porcentagens, tabelas, organogramas, cartões de visitas, logotipos, crachás, ponto-com-ponto-be-erres e não com pessoas.
Não quero propor nada de revolucionário, não. Só sugerir uma reflexão simples.
Qual seria a sua reação se, um belo dia, você recebesse na sua mesa um envelopinho daqueles quadradinhos cheio de bandeirinhas na beirada, marca d´água vagabunda dos correios, papel semitransparente, com selo do Machado de Assis colado tortinho em cima, escrito à mão: “Ilustríssimo Sr. Fulano de Tal”? Qual seria a sua sensação se, no verso do envelope, o remetente fosse aquele seu cliente que na véspera estava te pressionando, debatendo, discutindo, cobrando? O que você pensaria se a carta estivesse mal dobrada, escrita naqueles blocos pautados, com rasuras, erros de acentuação, manchas de tinta, letras comidas? E se nessa carta estivesse escrito
“Prezado João Antonio,
Obrigado por sua maravilhosa idéia. Obrigado pelo entusiasmo. Obrigado pelo esforço. Obrigado pelo carinho.
Valeu, amigo.
De seu cliente reconhecido,
Marcos.
P.S. Desculpe a falta de jeito, mas não tive coragem de te mandar um mail”
Sei não. Mas acho que eu ficaria arrepiado. Talvez eu lhe mandasse um cartão agradecendo. Não, flores. Colhidas com minhas mãos no meu jardim. Não, melhor: aquele bolo de fubá da minha avó, coberto com um paninho de crochê.