Mesmice antropofágica

Não entro muito nessa onda dos reality shows. Embora a idéia pareça, em tese, inteligente –porém não muito original–, não me envolvo por pudor. Também não quero, por questões muito racionais, aderir a essa febre: mal tenho tempo de assistir à minha vida, o que dirá à dos outros.

No entanto, me interessa entender por que as pessoas assistem àquele lixo, àquela indecência, àquele atentado à inteligência e ao bom gosto.

Pior do que isso: fico perplexo de ver como as pessoas perdem seu tempo, assistindo a uma produção vagabunda, pobre, estúpida. Esses shows são falsos, manipulados, histericamente retocados e fabricados. Muito show e nenhuma reality.

A mídia TV me parece estar em um processo catastrófico de mesmice antropofágica. Os canais abertos se copiam desavergonhadamente. É natural, claro, que as emissoras com menor audiência tentem copiar a líder. Natural e salutar. Preocupante, no entanto, é quando a líder copia a vice-líder. O papel do líder, para se manter em sua posição, é perseguir a quebra de paradigmas. Existe uma regra clássica de maratona: nunca olhe para trás. Nunca. Só para frente. Se você olhar para trás, perde tempo e se esborracha. Pois é isso que está acontecendo. Saudades do Boni.

Continuando o raciocínio, mesmice antropofágica subentende um fim natural por inanição. A cópia é naturalmente pior que o original. Copia-se, e o copiado copia a cópia que, por sua vez, copia a cópia da cópia. A mídia vira uma pastichada só.

Mais assustador do que isso, no entanto é o sentimento corolário da mesmice antropofágica, que eu chamaria de culto à imbecilidade. Uma idiotalatria.

Há no Brasil, atualmente, uma onda de cultuar a bossalidade. Olhem a seu redor. Os pobres assistem aos reality shows com sofreguidão. Nada de espantoso nem vergonhoso. É um simples sentimento de transferência. Como nas novelas. Aliás, vale dizer que reality show no Brasil é novela. Dizem que tem até roteiro. Pode? Mas, quando a elite passa a assistir, curtir e se viciar nesse tipo de “conteúdo”, a preocupação aumenta. O pobre se enternece e torce de verdade, com sinceridade. O rico ri e disfarça a torcida com um ar de superioridade fingida. O primeiro acha divertido. O segundo, cool. O primeiro idolatra o comunicador. O segundo chama ele de gênio. A rigor, não existe diferença. Nenhuma.

Lixo com status não é luxo. Continua lixo.

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