A platéia é um show à parte.

Em todos os eventos-espetáculos, muito se fala do palco e pouco, da platéia. Mas o anonimato das arquibancadas reserva-nos atrações peculiares.

Lembro-me de “Traffic”  do Jacques Tati, que num toque de absoluta genialidade, reservou uma seqüência de oito minutos a cenas entrecortadas de pessoas dentro do carro com o dedo no nariz. Imagens mágicas do nosso cotidiano.

As platéias são assim. O foco concentrado no palco tem efeito redoma.

Num desfile, as coisas são um pouco diferentes. Primeiro, ali estamos para ser vistos. E também porque o público-alvo é composto de artesãos da aparência, do feitio, do olhar que escorrega, do raio X.

Tem patrícia espevitada, barulhenta, cheia de chamegos; estudante crítico, polêmico e desatento; madames de pele loira e tintura menopausa; Miss camelô com bugigangas chacoalhativas; várias glórias decaídas, dos anos 30; famosas televisivas a anos-luz daquela estética frágil; concorrentes enjoados, no gargarejo, fazendo muxoxos de desaprovação; figurantes das colunas sociais com sorrisos engessados e olhares ausentes; men and women in black, de montão, por detrás de gigantescos óculos negros; muitos escribas, um olho nos ilhoses, outro no pergaminho; boiadeiras botadas, com sua fanrandolle de grifes a tira colo; tem os “fui-eu-que-fiz, gostou?”; boladas e bolados tatuados, empertigando os atributos; um regente de bel canto, uma garçonete hype, uma fofolete cor-de-rosa, um publicitário neófito…

Tem gente de todos os tipos, de todas as caras, de todas as origens, cores e ritmos.

Em um mundo de hipervalorização das personalidades, a aparência, a representação, a máscara têm o duplo papel de preservar o anonimato e chamar a atenção. A moda não é sublimada para valorizar as formas das pessoas.

Mais interessante é pensar no antagônico registro proteção X exposição.  A moda preserva a individualidade, padroniza os comportamentos e, portanto, protege. Mas também reflete posturas, pensamentos, pulsos e instintos.

A moda existe para integrar e segregar.  Ao mesmo tempo. Ela espelha o mundo e o grupo, mas é um reflexo da individualidade, da diferença.

A moda não veste; traveste.

Um desfile de moda é um seleto palco das diferenças e miscigenações de estilos que enriquecem o nosso quotidiano.

Galvanizada pelas exibições, a platéia faz a sua, numa real demonstração de talentos verdadeiros e falsos. Uma constelação de gente que faz da moda o epicentro acolchoado das aparências.

E, não se engane, aparências não enganam.

0 thoughts on “A platéia é um show à parte.

  1. GNETE VAMOS FAZER O SEGUINTE! Vocês mandem um reply com a duvida de vocês sobre moda e eu respondo em um tweet preservando seu nome +

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