Playba em baile funk. Relativizando sobre Cidade de Deus.

É possivelmente um dos melhores filmes feitos no Brasil este ano. No Brasil e além. Muitas linhas foram derramadas a respeito de Cidade de Deus. Inflamados manifestos, extasiadas odes à mudança-já e muita, muita catarse de peso de consciência.

Pouco importa aqui a intenção dos autores. Me interessa sim refletir sobre a obra e para além de seu alcance imediato.

Qual é o papel social da cultura? Será provocar tomadas de posição, tumultuar o discurso político, empreender mudanças de atitudes, cobrar o poder público e a consciência do cidadão?

Talvez mas lembrem-se que um filme como Cidade de Deus, ainda que baseado em fatos reais, é uma obra de ficção. E ficção aqui não significa que a história é falsa ou imaginária. Significa que o tratamento cinematográfico, reveste qualquer história de uma “ficcionalidade” indissociável e inerente à própria linguagem. Por mais que ela seja “real”.

Por isso, seu efeito mais profundo tem a exata duração de sua exibição. Buñuel dizia que o cinema é um sonho. O apagar das luzes da sala de cinema é como se fechássemos os olhos antes de dormir e sonhar. A linguagem cinematográfica, com suas edições, inversões cronológicas, mudanças de ponto de vista e tratamentos dramáticos é onírica por natureza. O acender das luzes é o despertar para a realidade, sem cortes, temporal e com um único ponto de vista: o nosso.

É bonito mas tímido transferir aos filmes e obras artísticas a tão pesada carga de mudar algo nas condições sociais do povo. Eles mais facilmente entorpecem do que despertam.

No entanto, existe outra função “social” na obra artística.

Quando ouço um playboy cantando o ódio ao burguês dos Racionais MC em sua Cherokee ou o mano curtindo o glamour fashion de Moby ou Madona, um papel óbvio da obra artística fica estampado: aproximar, criar pontes, laços.
E não é pouco. Para além do primor artístico, dos extraordinários atores, do roteiro brilhante, da fotografia inebriante, é isso que é mais bonito em Cidade de Deus.

Lindo também é ver as filas de Mauricios e Patricias no cinema do Shopping.

Se o Brasil tem ou não jeito, sei lá e prefiro achar que sim. Mas não é Cidade de Deus ou a “verve” entusiasta do Jabor que irão responder nem apontar caminhos. Mas quem sabe Zé Pequeno de camiseta Hang-Ten e Playba dançando em baile funk?

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