A massa

Mole, eu estou mole. Paciência, não tem mais nada que eu possa fazer agora. Só esperar passar. Mas meu maior problema é mesmo esse povo grudando em mim. Detesto multidões pegajosas.

Olha só esse aí, onde ele está pensando que está? Num bordel? Sai daí, seu nojento, pára de lamber minha nuca. E esse outro agora roçando as minhas coxas, meus tornozelos. Que nojo.

E esse cheiro, o que é isso? Cheiro de gente é um horror. Vai se infiltrando em você, desce pelo seu cangote, contagia seu corpo inteiro. E, óbvio, é meio doce, sem sal. Será que eles não tomam banho nunca?

Pronto, eu sabia, começa a chover. Chuva não, isso é um verdadeiro dilúvio. Fria, gelada. Pelo menos vai refrescar esse calor tépido, diminuir esse grude.

Parou. Melhorou um pouco, mas ninguém sai do meu pé. Aliás, nem eu dele. Acho que não tem jeito, vou ter que dar um tempo, respirar fundo. Dizem que a gente se acostuma com tudo. Talvez passe.

O que é isso? Estão todos balançando como se estivessem numa festa. Eles chamam isso de dança! Só sabem tremelicar e se insinuar maliciosamente. E eu, aqui, esprimido, agarrado de todos os lados. Não tenho saída a não ser me contorcer junto com eles.

Só faltava essa agora, que coisa fedorenta é essa? Eles resolveram chafurdar na lama e me arrastar com eles. Estou todo sujo, manchado, marron dos pés à cabeça e da cabeça aos pés. Que coisa pavorosa, que triste fim. Morrer ainda vai, mas ao menos se fosse uma morte digna e não nesse balaio vulgar!

Estou perdendo a identidade. Me escancarando nessa luxúria, com esse odor a me contaminar, chacoalhando devassamente.

E eu que me achava diferente, foi só me juntar na massa para virar isso que sou: um pobre espaguete que amoleceu demais.

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