A rua

Rápido, vou chegar atrasado – se passar da hora, terei que ir a pé, nesse frio – vão ficar preocupados lá em casa, fora a bronca – rápido – estranho, essa loja é nova – o que será que vai ter para jantar? se eu tivesse tempo, podia entrar para dar uma espiada – mas também não adianta, não tenho dinheiro – sempre fico impressionado com a quantidade de gente estranha na rua – o pior é que alguns se conhecem, mas eu não sei o nome de ninguém – amanhã é sábado, tomara que faça sol – será que a gente vai para o restaurante? devia ter trazido minha bola de basquete: esse pedaço aqui, nunca tinha notado, é perfeito – essa professora é muito chata – odeio ela – quando ela bate na minha mão só porque eu não estou fazendo do jeito que ela pede – bruxa – engraçado, já está escurecendo – parece que o inverno vai ser mais frio – tomara que tenha bastante neve – o ano passado não valeu – está pesada essa bolsa hoje – vou parar um pouco para descansar – que estranho, não acho aquele chocolate que peguei na gaveta ontem – será que abriram minha mochila? tem ladrão na escola, eu sempre soube disso – sei até quem é, mas se eu contar ele vai bater em mim – melhor eu ficar calado – que fome – vou comprar um pão, depois eu continuo – mas essa rua está diferente – cadê a padaria? deve ser na próxima esquina – melhor eu correr um pouco – por que será que está dando tudo errado hoje? a padaria sumiu – acho que já passou – vou voltar – droga, não era aqui? não, acho que não – acenderam as luzes – mas já? já são 7 horas, mas já? onde estou? por que as pessoas me olham desse jeito? estou ficando com medo – eu não vou chorar – vou continuar mais um pouco – não posso estar tão longe assim – e se eu voltasse? será que passei o ponto? na certa, foi quando lembrei daquela professora – essa mulher! – de novo essa loja – já está fechando? será que é tão tarde assim? está escuro e frio – meus pés estão congelando – melhor correr um pouco – mas para que lado? eu já passei aqui ou não? acho que sim – de novo a loja – deve estar todo mundo apavorado em casa – e se eu não conseguir chegar nunca mais? deve ser de propósito – eu tinha que me perder cedo ou tarde – vai ver eles nem estão ligando para mim – estão até aliviados – se eu passei na esquina onde ele ia me pegar, por que não me chamou? vai ver ele não quer que eu volte – ele nunca gostou de mim – me chamou de preguiçoso – mas se eu ficar na rua, vou ter que pedir ajuda – será que ninguém vai me oferecer ajuda? não estão vendo que estou com medo e quase chorando? tem menos gente agora – as pessoas já estão chegando em casa – mas eu não – estou atrasado e talvez nunca mais veja a minha casa, meus brinquedos – é melhor eu ir me acostumando – vou ter que achar um abrigo para a noite – se pelo menos aquele ladrão não tivesse roubado meu chocolate – estou com muita fome – e frio – e medo – mas eu já passei aqui ou não? acho que sim – era aqui que queria jogar basquete – mas agora não – não trouxe a bola – agora também não é hora – por favor, moço, me ajude – esse velho deve ser bonzinho – olha para mim! – e esse menino, será que ele pode me dizer como faço para sair daqui, voltar para casa? ou me dizer onde tem um policial? ou me ajudar a encontrar um lugar para passar a noite? a loja de novo – mas ela não estava do outro lado? do outro lado – do outro lado – é do outro lado – do outro lado – vou voltar tudo – até o outro lado – passar a escola – o outro lado – é isso – eu desci a rua do outro lado.

– Pai, pai, pai, papai!

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