Amasso de terráqueo

Acordei de repente num pequeno sobressalto e olhei pela janela.

Era um grande cobertor todo amarfanhado. Muitas pessoas passaram a noite naquela cama enorme. Aqui, elevações pontudas; ali, suaves encostas. A noite havia sido agitada. Eu imaginei aquele monte de gente se acariciando, se apalpando, beijando, disputando um canto, um suspiro, um afago debaixo dos lençóis. Cansados dos embates fogosos, estavam todos dormindo agora, agarrados uns aos outros, imóveis.

Onde a vista alcançava, os montículos se espalhavam. Milhares de dobras se encontravam sem simetria. Nem a mais planejada e complexa das equações seria capaz de reproduzir o aleatório cenário. Pensei na força que amassara a plataforma lisa do espaço para, depois, deitá-la suavemente, sem apagar-lhe os sulcos.

Por vezes, tufos de cabelos obstruíam a visão. Eles passavam rapidamente, esfacelando-se em infinitos fios brancos. Flutuavam acima do manto verde, se desprendendo e se agrupando novamente. Muitas cabeleiras de todas as formas e tamanhos, voando na imensidão.

Lá longe, uma claridade despontou. Uma auréola dourada começou a surgir, esbranquecendo o céu e confundindo o panorama. Um gigante se espreguiçava lentamente por debaixo das cobertas, com a careca lisa e brilhante projetando sombras sutis. Os sulcos se aprofundavam, evidenciando ainda mais as rugas venerandas do grande amasso.

É assim a Terra, através da janelinha do avião. Um cobertor gigante,  um abrigo quentinho, acalentado pela bênção do sol.

Aqui embaixo, com o pé fincado no chão, a gente só vê bagunça e sujeira, máscaras e papéis fingidos, tapas e guerras, desesperança e solidão.

Prefiro voar.

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