Para Cat
Ao pé da castanheira, ela banhava seus cachos verdes no múrmurio do riacho: a casinha de tijolo transbordava de trepadeiras e avencas azuis. Ali morava Matilde, a tia da floresta.
Todos os dias ela saía para abraçar a aurora no alto da montanha azul. Lá ia Matilde, deslizando no orvalho e tropeçando nos joanetes das raízes. Era assim desde sempre. Desde o primeiro pipoco, o primeiro grão, a primeira seiva.
A noite ainda encobria o cimo das árvores com seu cachecol negro, quando a velha da floresta saía de casa. Enquanto caminhava, a floresta espreguiçava-se lentamente. E quando Matilde chegava ao pé da montanha escura, um imenso arroto de clorofila azeda exepelia a velha para o cume deserto da muralha.
Lá no alto, Matilde olhava o mundo, a Terra inteira até a curva difusa do horizonte. Ela via a cidade de pedra, aço e lágrimas que se estendia até as primeiras dobras da montanha; o rio caudaloso que espumava eflúvios espumosos e fedorentos; o mar coalhado, seboso.
O peito da velha levantava-se num espasmo de tristeza: a Terra agonizava.
Sentada no seu observatório, Matilde esperava no limiar da vida, na soleira da grande-mãe, olhos fechados para esponjar as lágrimas.
Desde sempre, desde que a Terra infantara a castanheira, Matilde aguardava ali a alvorada inexorável do tempo.
Quando o sol despontava acariciando as pálpebras da velha, Matilde sorria novamente e retornava ladeira abaixo, no meio da floresta, ao pé da castanheira.
Um dia, Matilde não saiu de sua casinha: um ronco monótono abateu a castanheira e uma placa anunciava, grandona, no meio das avencas: “Condomínio da Alvorada – 3 quartos, 1 suite, 3 garagens”.