Crescer por quê?

Aquele menino é sujo. Deve ser pobre. Não deve tomar banho direito. Será que ele tem sabonete em casa? Deve comer o sabonete para não morrer de fome. Outro dia, ele veio falar comigo. Fiquei com medo. Pediu emprestado meu compasso. Emprestei, mas acho que ele não vai devolver. Vai ver vendeu para comprar pinga para o pai bêbado. Acho que vou falar para o professor que ele roubou meu compasso. Vou esperar até amanhã. Dei muita risada ontem. O professor chamou ele na lousa. Ele tinha que resolver um problema de matemática. Era fácil, fácil. Mas ele se atrapalhou todo, ficou vermelho e não conseguiu. Levou uma bronca. Bem feito. Quem manda ele não estudar em casa. Vai ver nem mãe ele tem. Ou então tem, mas ela deve bater nele. Duvido que ela saiba matemática. Não sabe nem contar. Fico imaginando a casa dele. Deve ser na favela, cheia de rato e lama. Na certa ele dorme na mesma cama que os irmãos. Com certeza, ele tem uns doze. Sujos e feios como ele. Um deles deve ser trombadinha, só pode. Ele fica olhando `as vezes, no recreio, quando a gente brinca com os super-heróis. Ele deve ter raiva, porque não tem nenhum. Também, pudera, pobre do jeito que ele é! Ele com certeza nem entende nada de inglês. Deve falar tudo errado o nome do planeta do Batman. Dizem que tem televisão na favela. Será mesmo? Deve ser de mentira ou, então, uma que o irmão roubou. Ele nunca traz lanche. Daí fico com pena, mas eu é que não vou dar um pedaço do meu. Quem manda ele ser pobre, ter um pai bêbado e uma mãe feia? Uma vez, eu vi ele na rua. Fiquei com vontade de dar uma carona para ele, mas foi melhor não. Com certeza ia roubar nosso carro. Meu pai falou que uma das maiores causas de pobreza do mundo é a preguiça. Que isso é assim mesmo. Que ele mesmo já tinha sido pobre um dia, mas, como ele não era vagabundo, ganhou dinheiro e ficou rico. Ele vive falando isso. Até que tenho vontade de brincar com ele. Mas eu acho que meu pai não vai gostar que eu leve ele para casa. Aposto que ele deve comer com a mão. Vou ficar com vergonha. Minha tia falou que é perigoso isso. Porque ele vai saber que a minha casa tem coisas de valor. Bom, vou parar de pensar nisso. Já estou ficando com medo.

Daí eu cresci, fiquei grande e rico. Como meu pai. Mais ainda.

Fico ali, sem poder correr, sem força para dar. Hipocrisia de menino rico.

Quero ser criança novamente.

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