Para Carlinhos
– O que você quer ser quando crescer, Theo?
A mãe saiu para trabalhar. O pai também saiu, para nunca mais voltar. Theo levantou e saiu para a rua. Caminhou um pouco, devagar, olhando a pipa vermelha que rodopiava no céu. Numa lage ele sentou e ficou ali olhando o mar, lá longe.
– Fala aí?
– E aí?
Carlinhos chegou, sentou ao lado de Theo, olhando o mar, lá longe. Theo e Marcos cresceram. Em cima da lage, olhando o tempo passar.
– O que você vai ser, depois daqui, Fabinho?
Era uma familia grande e Fabinho nem sabia ao certo quantos irmãos tinha. Saiu de casa no meio da tarde, correu pela rua e foi bisbilhotar a vizinhança.
– Quem comeu a Ritinha?
– O Zé.
Leonel chegou e ficaram ali, falando da vizinhança. Fabinho e Leonel cresceram. Nas ruas da favela e, de vez em quando, na cama da Ritinha.
– Aonde você quer viver, um dia, Mané?
Mané Piolho tinha um irmão mais velho, o Paulão. E Paulão vivia de treta com a polícia. Mané saiu de casa e foi levar uma encomenda pro Paulão.
– Vamos pra praia
– Mais tarde. Agora não dá.
Vicente chegou e ficou ali, fumando um. Mané Piolho e Vicente cresceram. Fazendo avião para Paulão até ele morrer e continuar depois para Xupim, Capitão e Cacau.
O que você vai ser quando crescer, Theo? Carlinhos? Fabinho? Leonel? Mané Piolho? Vicente?
Theo, urso polar, bem grandão com muitas focas para se saciar.
Carlinhos, o cometa Halley que só passa na Terra de vez em quando que é para não ficar com nojo.
Fabinho, um cavaleiro medieval com mil mulheres de cinto de castidade a esperá-lo no seu harém da Dinamarca.
Leonel, uma flauta de ouro na boca de uma virtuose da Orquestra Sinfônica da Romênia.
Mané Piolho, maquinista de metrô no Japão, de luvas brancas e sashimi na barriga.
Vicente, um saco de pancada, um adolescente morto, assassinado na porta do barraco, no morro à beira-mar.