Quem fez o mundo fundiu-se

O Martinho era uma pessoa vulgar. Ele nascera pequeno como todos os outros Martinhos e também como todos os bebês que não se chamam Martinho.

Ainda pequeno, naquela fase em que as crianças crescem, ele adquiriu muitas e diferentes coisas. Ele adquiriu peso e compleição de humano, cores e cabelos, músculos, e os ossos se alongaram. Dentes também nasceram, e pêlos e o sexo também despertaram. Tudo crescia, quando ele crescia. Crescia também o tamanho do círculo de pessoas que ele conhecia, assim como a quantidade de lugares que ele visitava e a qualidade de tudo o que ele experimentava da vida.

Martinho, quando crescia, só crescia, acumulando vida no corpo, na cabeça, no coração e na memória.

Martinho era uma cuba enorme de misturas pastosas com o mundo e foi despejado para dentro dele, aos poucos, mas gulosamente.

Quando Martinho ficou mais velho, ele um parou de crescer na aparência, mas continuou a crescer por dentro. De vez em quando, não cabia mais nada dentro do Martinho. Então, as coisas eram comprimidas ou simplesmente transbordavam.

Um pouco depois, Martinho já estava bastante maduro e todo gostoso. Ele entrara na vida adulta, com estofo de queijo curado.

Um belo dia, e, a partir daí, em vários outros dias, Martinho começou a perder suas aquisições de todos os tipos. Elas simplesmente partiam, desapareciam e deixavam no seu lugar um buraco ou vários deles. Alguns grandes como, por exemplo, quando alguns amores morriam; outros menores, quando ele quebrava um juramento, um sonho, uma fantasia.

Martinho envelheceu e virou um queijo suíço, todo esburacado de perdas.

Martinho morreu um dia e fundiu-se não só com todos os outros Martinhos, mas também com todos os outros humanos mortos que não se chamam Martinho.

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