Algumas considerações sobre a proibição da propaganda de cigarro na Internet.

A Lei nº 10.167, de 27 de dezembro de 2000, alterou diversos artigos de uma lei anterior (Lei nº 9294/96) que dispunha sobre restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígenos (todos os que produzem fumo, fumaça).

Entre as alterações trazidas pela Lei nº 10.167, está a proibição da propaganda por meio eletrônico, aí incluída a internet. A Resolução – RDC nº 15, publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA em de 17 de janeiro de 2003, apenas veio regulamentar a lei promulgada em 2000.

A resolução tem por fim, dispor em detalhes, e.g., explicitando conceitos, definindo procedimentos, as linhas porventura sinteticamente traçadas no texto legal. Ao operar, por exemplo, a definição de propaganda, a resolução tão-somente estabelece o conceito que deverá guiar a administração pública, de modo a evitar interpretações díspares por parte desta, quando da aplicação da lei. Na lição do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, “a precisão aportada pela norma regulamentar não se propõe a agregar nada além do que já era comportado pela lei, mas simplesmente inserir caracteres de exatidão ao que se achava difuso na embalagem legal”.

A portaria, portanto, não inova (nem poderia inovar). Vem apenas detalhar os limites que a Lei nº 10.167 já impusera, de modo a dirimir possíveis dúvidas que fatalmente surgiriam no momento da aplicação da lei.

É no corpo da Resolução nº 15 onde se encontram alguns esclarecimentos às dúvidas apresentadas. Lá, por exemplo, define-se o que constitui propaganda para a lei.
De acordo com o inciso 1º do Art. 1º da Resolução nº 15/2003, considera-se propaganda de produtos derivados do tabaco qualquer forma de divulgação, seja por meio eletrônico, inclusive internet, por meio impresso, ou por qualquer outra forma de comunicação ao público, consumidor ou não dos produtos, que promova, propague ou dissemine o produto derivado do tabaco, direta ou indiretamente, realizada pela empresa responsável pelo produto ou por outra por ela contratada.
O Parágrafo único desse artigo vai além, considerando abrangidas na
definição acima a divulgação de catálogos ou mostruários de produtos
derivados do tabaco, tanto na forma impressa como por meio eletrônico; a divulgação do nome de marca e elementos de marca de produto derivado do tabaco ou da empresa fabricante em produtos diferentes dos derivados do tabaco; a associação do nome de marca e elementos de marca do produto ou da empresa fabricante a nomes de marcas de produtos diferentes dos derivados do tabaco, a nomes de outras empresas ou de estabelecimentos comerciais; bem como qualquer outra forma de comunicação ou ação que promova os
produtos derivados do tabaco, atraindo a atenção e o interesse da população, seja ela consumidora ou não dos produtos, e possa estimular o consumo ou a iniciação do uso.

Se antes do advento da Resolução nº 15, a Lei poderia suscitar dúvidas acerca do que constituiria propaganda para os fins nela citados, temos que, com a publicação da Portaria nº 15, essas dúvidas foram virtualmente extintas, dada a amplitude do conceito ali expresso.
Traduzindo: Nada pode ser feito. A propaganda de cigarro, de qualquer natureza, em qualquer meio, com ou sem disfarce, que já estava proibida desde 2000, está mais claramente ainda banida do Brasil.
Traduzindo ainda: Esqueçam e conformem-se.
Traduzindo mais: Nem na Internet. Nem pagando. Nem vendendo. Nem nada.
Propaganda de cigarro é quase crime. Esconda seu maço de cigarro, senão você pode acabar preso.
Não há, portanto, muito o que comentar sobre a lei. Ela é cristalina e não há brecha.
No entanto, apesar de ser uma lei, isso não significa que tenhamos que achá-la necessariamente justa.
Pois vejamos.
A propaganda, por definição, é uma ferramenta que auxilia na venda de produtos e serviços que, por definição também, são legais. Propaganda ajuda a vender produtos e serviços cuja venda é legal.
Proibir a propaganda de algo que não é proibido é o primeiro contra-senso. Se é ilegal fazer propaganda de algo que é legal vender, há algo de errado. Ou no entendimento do que é propaganda, ou no entendimento do que é legal.
Mas esse assunto, que abre o perigoso precedente de começar a proibir, proibir, proibir, controlar, controlar, controlar, não está em pauta mais, infelizmente.
O que está na pauta é a proibição de propaganda “na Internet”.
Ainda que não possamos ter dúvidas sobre a abrangência da lei, podemos levantar algumas questões.
•    Existe propaganda na Internet. Mas a Internet não serve apenas para isso. A legislação parece confundir-se um pouco, portanto. Mas não há dúvidas, no entanto, de que a lei proíbe tanto a propaganda na Internet quanto qualquer utilização do meio para falar de cigarro. A não ser para dizer, é claro, que o cigarro é “um produto que oferece risco à saúde pública” (sic). Pode vender nos milhões de pontos de venda do país mas pela Internet “oh, perigo, perigo, perigo!”

•    A rede mundial de computadores é mundial. Isto é, de acesso mundial, sem restrições e sem controle tecnicamente viável de seu conteúdo. Portanto, um brasileiro pode acessar um site de uma marca internacional de cigarro localizada em Moçambique, Angola ou Goa – em português – com a mesma facilidade com que acessaria o site da mesma marca produzido no Brasil.
•    Ou ainda, o que aconteceria se o site ou mesmo o banner de publicidade estivesse hospedado em algum país suspeito ou que permitisse a publicidade de cigarro? Como enquadrar esse caso? Pode ou não pode? A menos que a próxima revisão da lei seja de proibir o acesso de sites “ilegais” no país. Só faltava essa.
•    Mais uma vez, a Internet coloca para o legislador um impasse. Um impasse tecnológico, claro, mas principalmente um impasse que não se resolve com determinações legais. Por que não confiar na boa vontade dos fabricantes, uma vez na vida, impondo-lhe restrições de comunicação e outras imposições legais ao invés de tirar-lhes pura e simplesmente o direito de falar dos produtos que produzem? Não é mais inteligente uma acordo de boa fé com empresas sérias, que empregam e pagam impostos do que impor regras em uma mídia que por definição se lixa das regras?
•    Ainda, sobre a justa preocupação com o acesso de menores de idade ao fumo, o que tem a propaganda a ver com isso? Mais. O acesso a um site de uma marca de cigarro na Internet pode muito mais facilmente ser controlado do que a venda de cigarro em qualquer padaria do Brasil a uma criança de 4 anos de idade. E de forma simples, inteligente e eficiente.
•    Visitar um site da Internet é um ato deliberado, consciente, racional. Não se visita um site na Internet por impulso inconsciente. Ainda que possamos dizer que a propaganda tem uma ação sobre o inconsciente das pessoas, argumento bastante duvidoso, ainda assim, digitar www.marcadeumcigarro.com.br é uma ação racional e não subliminar, impulsiva.
•    Proibir sites de marcas de cigarro é um atentado à liberdade consciente do cidadão. Um atentado à liberdade de expressão, uma restrição à livre iniciativa. Um atentado à liberdade do cidadão de deliberar conscientemente sobre suas ações e eventualmente responder legalmente por elas.

0 thoughts on “Algumas considerações sobre a proibição da propaganda de cigarro na Internet.

  1. @HippoArmy: 4:20~pre-internet generations are more susceptible to brainwashing/propaganda, which is why weed is illegal. They’ll die off

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