E se um dia todas as terras queimassem? E se um dia todos os mares secassem? E se um dia todos os céus escurecessem?
Era longo o caminho até a vila e ele tinha tempo para pensar e observar os tufos de verdura no meio do pasto, o corrimão de arame farpado, as nuvens rasgando o céu.
No centro da estrada, uma água barrenta escorria por entre os gravetos e pedregulhos. A chuva tinha caído selvagem logo cedo: um solavanco no céu, uma rajada de vento, e os baldes d´água despencaram. A terra regurgitou os excessos, cuspiu lama morro abaixo e transbordou as valas, até espalhar-se pela superfície impermeável do caminho. Desceu desordenadamente para talhar um sulco raso na terra.
Quando o céu sacudiu suas últimas lágrimas, o sol atravessou as cortinas d´água que respeitosamente secaram. A água continuou seu curso até os pés do menino, a caminho da vila.
Ele pensou na água que fugia e naquela que se infiltrava na terra.
A primeira encontraria o riacho da ponte que, por sua vez, terminaria no rio negro, até correr com pressa para o mar que lambe todas as terras do Mundo.
A segunda se dividiria em infinitas gotas minúsculas, as quais, ao penetrar na terra, se agarrariam às raízes profundas que as sugariam para o alto, até ressurgirem dependuradas nas folhas do pasto, como pérolas frágeis de orvalho.
Ele pensou no céu que, histérico, desaguou naquela manhã. Nas nuvens que descabelavam o céu. No pasto verde que se estendia inabalável por entre os penachos de verdura.
Era assim desde sempre. Desde sempre, a água caía do céu, saciava o pasto, que suava ela de novo pelas folhas. Desde sempre, a água escorregava pela terra até confundir-se no mar.
Mas como havia tanta água no céu? E o mar por que não entornava, e o pasto por que não enjoava?
Tinha um mistério. O mistério da água do céu. Era bom saber que ele existia.
Porque, se um dia as terras estorricarem de calor, os mares secarem e o céu não mais brilhar; se um dia não tiver mais água para esborrotar do céu, vai ser longo demais o caminho para a vila.