A prazeirosa

Tá na hora, tá na hora! Os beliches tremeram, os corredores foram invadidos instantaneamente, elevadores lotados, escadarias apinhadas.Quantas pernas habitam um formigueiro?

Pernas botadas disciplinam a saída. Pernas descalças ritmam a evacuação. Não tem chororô. Todo mundo a postos para o trabalho. Vida de formiga é assim mesmo. “Bem unidos façamos, uma terra sem amos.”

Lá fora, o dia já tingia as primeiras sombras no chão. A ordem era de atacar uma roseira desavergonhada, uma roseira petulante no meio do jardim. Ela já estava no ponto, havia alguns dias, mas o manacá tinha dado mais trabalho do que o previsto.

Em fila indiana, a massa pisoteou a terra e enfurnou-se num túnel gramado para chegar ao pé lascivo que dardejava desafiadoramente sua verdura.

Os batedores espalharam-se pelo canteiro. A precaução era de circunstância. O mundo não está fácil, e roseiras gostosas são raras.

Era um trepidar infindável de pernas, acelerado, frenético. Não houve um único intervalo, uma única parada para respirar, bater papo ou fazer xixi.

Quando avistaram o tronco espinhudo da messalina, a soldadesca acelerou o passo. Era preciso chegar logo, começar logo o trabalho. A roseira era frondosa. O dia ia ser curto para dar cabo de tanta luxúria.

O esquadrão abre-alas, composto de formigas acrobáticas, lançou-se na escalada. Era preciso mapear o alvo. Rapidamente os planos de ataque foram traçados, esmiuçados, decorados.

A subida foi finalmente ordenada. Para o alto. Folhas tenras primeiro. Ia ser uma festa, um orgasmo coletivo, uma orgia selvagem.

Mas quando a primeira observadora chegou ao cume da vagabunda, da roseira, um grito foi ouvido. Um grito de desespero. De pavor. Instantaneamente o formigueiro, que já enegrecia o tronco, paralisou de espanto.

Não havia mais uma única folha viva: um demônio obeso, peludo,  uma larva vermelha havia deflorado a roseira oferecida.

Acordar cedo, trabalhar duro de nada ajudou as formigas: retornaram com fome e sem tesão. Já a larva tarada, num arroto vegetal, padeceu de indigestão. E a rosa, a rosa safada, aguardou para dar-se noutra florada.

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