Entre o Céu e a Terra

Quando ele ainda era pequeno, Cesinha gostava muito das árvores, das plantas, das flores. Ainda bebê, quando se sentia só, virava de lado e olhava, sorrindo e confortado, os grandes carvalhos verde- oliva dançando pela janela.

Mais tarde, quando aprendeu a andar, sentia um prazer enorme em caminhar pelo parque, acariciar os troncos, deitar-se na grama molhada, soprar nas pétalas das glicínias.

No seu décimo aniversário, Cesinha ganhou uma pá, um avental e botas de borracha. Era sua panóplia de felicidade. Quando voltava, infeliz da escola, corria para o quarto, travestia-se de jardineiro-cavaleiro e saía para o jardim, poderoso e invencível. Seu pacto de sangue era preservar sua coleção vegetal à qual havia dado nomes honrados. Os dois carvalhos altivos e serenos eram Arthur e Geneviève; a misteriosa roseira era Morgana; o chorão que derramava suas tranças pelo muro, Lancelot.

Um dia, Cesinha encontrou uma pequena muda jogada miseravelmente na lata de lixo do vizinho. Imediatamente ele armou-se com suas poderosas ferramentas e plantou o castigado cipreste na pracinha onde costumava brincar com seus amigos. Por uma abençoada sorte e com os cuidados de Cesinha, Merlin sobreviveu.

Todos os dias, Cesinha observava seu crescimento com uma viva satisfação. Sentia-se orgulhoso de tanto viço. O menino também defendia seu amigo contra as pragas, os tratores, o mijo das crianças.

Cesinha cresceu. Merlin cresceu. Mas os dois nunca se separaram. Nunca.

Hoje Cesinha está bem velhinho, Merlin também. Ainda se encontram com freqüência. Uma vez por semana, Cesinha apanha a bengala e rasteja para a praça, para conversar com Merlin.

– Merlin, bom-dia.
– Bom-dia, Cesinha.
– Como você está?
– Bem, obrigado. Andei com alguns problemas de irrigação, mas, por sorte, soube que a previsão do tempo anunciou fortes chuvas para o final da semana. E você?
– A não ser a vesícula, os reumatismos e a dificuldade de ler, está tudo bem.
– Cesinha, que idade você tem?
– Oitenta e sete. E você, setenta e cinco.
– Exatamente. A memória ainda funciona, não?
– Muito bem. A memória sim. Mas o resto, meu amigo, é uma lástima, um naufrágio.
– Imagina, você está ótimo.
– Estou nada. Olha só isso. A cada ano que passa, eu fico mais curvado. Tudo despenca. Tudo. Às vezes, ao acordar, mal consigo sair do lugar. Me sinto pesado. Parece que algo está me puxando para baixo, para baixo, para baixo.
– Engraçado isso.
– Eu não acho muita graça não.
– Desculpa, eu queria dizer que é engraçado, porque comigo é o contrário.
– Como assim o contrário?
– Você se lembra daquela vez que uma praga, uma maldita erva de passarinho se fixou na minha testa?
– Claro que me lembro. Deu um trabalhão, mas conseguimos extirpar a danada, não?
– Sim, claro. Mas você lembra que bastou você subir numa cadeira pra alcançar a safada?
– Lembro sim.
– Naquela época, éramos quase do mesmo tamanho.
– É verdade.
– E depois disso, eu te passei, passei o muro da praça, passei até o velho cedro.
– É. Você está muito alto agora.
– Pois é isso. Você sente que algo te puxa para baixo, e eu sinto o contrário.
– Que algo te estica para cima.
– Exatamente.
– É a idade, Merlin, a idade.
– É, a idade.
– A idade dos homens nos puxa para o centro da Terra, para o fundo, para a cova. Já a idade das árvores, a idade das árvores as puxa para o céu, Merlin, para o céu.

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