Filó do céu

Quando jovem, Filó passava noites inteiras escarafunchando o céu, e isso desde o dia em que ganhou sua primeira luneta. O mesmo ritual se repetia desde os doze anos de idade. Hoje, ele trabalha no Observatório Nacional da Ucrânia e fez do seu maior prazer uma profissão. É um grande especialista. Ele nunca estudou astronomia, nem física, nem coisa alguma. Fala pouco também, somente o essencial para continuar vivendo e deschaveando o céu. Todos o respeitam muito, por sua dedicação e incomparável capacidade de permanecer horas a fio com o olho vidrado no céu. Ninguém sabe ao certo sua idade, mas supõe-se que ele seja bastante idoso. Os anos, porém, não prejudicaram em nada sua tenacidade. O que se sabe de sua biografia é apenas que ele nasceu numa pequena vila de pescadores chamada Tamandaré, no Nordeste do Brasil e que, ainda jovem, embarcou num navio de carga que o fez aportar na Europa meses depois. Como foi parar na Ucrânia é um mistério mas ele rapidamente passou a ocupar o posto de observador-adjunto do Instituto de Astronomia.

A única função de Filó era de olhar, olhar, olhar e, quando chegava o fim de seu turno, limpava o telescópio e varria o observatório. Só isso. Ninguém discutia muito sua utilidade. Era assim fazia tantos anos que seu posto não precisava mais de justificativa alguma: Filó era olheiro e faxineiro.

Mas o que Filó tanto olhava no céu? As estrelas, é claro. Sim, as estrelas, mas para por que, para quê? Quando indagado sobre essas questões, ele invariavelmente respondia “Para elas não se sentirem sós e se apagarem de tristeza”. Filó não era poeta, não se enganem. Ele ouvira isso uma vez no corredor do observatório e achara que a frase era suficiente para justificar sua presença, seu ofício, sua vida.

Duas vezes apenas, na longa carreira de Filó, sua contribuição profissional fora notada. A primeira quando percebera no céu uma perturbação que provocara grandes tumultos no mundo científico. Todos entraram em alvoroço, porque Filó descobrira uma provável nova constelação “Ali, ali, ali em cima”, como dizia o faxineiro.

A segunda contribuição se deu no mesmo dia, pouco depois da primeira, quando ele encontrou uma aranha xereta que tecera um ninho na pontinha do telescópio, “Ali, ali, ali em cima”.

Um dia, Filó se aposentou. Ele se retirou do mundo científico e nunca mais freqüentou o observatório. Nunca mais também olhou para o céu, por causa de seu reumatismo que o impedia de levantar o pescoço.

Ele voltou para Tamandaré, sua aldeia natal, e passava os dias remendando redes de pesca. Ninguém era melhor do que ele nisso, e os pescadores locais ficaram felizes.

Nunca mais deixaram escapar peixe algum, por menor que fosse; um camarão sequer, mesmo o mais rastejante; nem a mais escorregadia das lulas.

Nunca mais deixaram escapar a mais solitária e triste das estrelas do mar.

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