A invasão

Ela começou de forma discreta e subterrânea.

Uma criança sentada na beira da calçada brincava com pequenos amuletos de osso, jogando-os para cima. Num determinado momento, os ossos não caíram de volta. O menino olhou para cima e avistou rapidamente uma revoada acelerada. O que lhe pareceu ser um pássaro dera uma rasante por cima de sua cabeça e engolira seu brinquedo rapidamente, enquanto ainda estava no ar.

Em outro canto do planeta, mais ou menos no mesmo momento, uma garota coloria um complicado desenho. Espalhados ao alcance da mão, vários lápis de cera aguardavam o momento de entrar em ação. Sem muito pensar, a menina esticava o braço e apanhava o primeiro lápis que lhe caía na mão. Num determinado momento, ela tateou sobre a mesa e não encontrou nada. Ela virou-se, então, e só percebeu um leve amasso correndo pelo chão. Ela acreditou que num pequeno rato levara suas cores, sem cerimônia.

Não muito longe dali, um adolescente andava de skate numa cidade  deserta, à noite. Suas acrobacias consistiam em saltar, enquanto o veículo continuava a deslizar no chão para finalmente recuperará-lo alguns metros adiante. Ele estava progredindo em suas evoluções, mas, em determinado momento, ele caiu no asfalto abruptamente. O skate não estava mais lá. Tresloucado, ele olhou ao seu redor. O que se aparentava com um gnomo corria pela lateral da rua equilibrando  o objeto de seu furto na cabeça.

Em todos os lugares, cenas desse tipo ocorriam de forma indisciplinada e sem padrão. Por isso mesmo, as pessoas não percebiam que uma invasão sem rosto estava ocorrendo à Terra. Pouco a pouco, as crianças do mundo inteiro eram interrompidas no meio de suas atividades. Seus brinquedos eram roubados das formas mais variadas e fantasmagóricas.

Ninguém se deu conta de nada. Enquanto isso, as crianças consentiam caladas. Apenas fingiam que nada ocorria e alimentavam-se de alguma fantasia sobrenatural. Até que um dia, elas desistiram de vez. De brincar e principalmente de fantasiar.

A humanidade envelhecia. Com o passar do tempo, aos dezessete, quinze, dez anos, as pessoas já trabalhavam. Com trinta, vinte e dois, treze, aposentavam-se. Com quarenta e dois, trinta e nove, dezesseis, morriam.

Uma invasão insidiosa comia o tempo.

Até que um dia não valeu mais a pena nascer na Terra.

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