Angustus

Acordou e dormiu. Acordou e dormiu. Até que acordou de vez. Sentou na cama. Esticou os braços até os dedos do pé. Apoiou os cotovelos nos joelhos, apoiou a cabeça nas mãos. Dessarrumou os cabelos e esfregou os olhos. Levantou e sentou. Levantou de novo e sentou. Fechou os olhos e deitou. Apanhou as pernas contra o peito, de lado. Espreguiçou-se mais uma vez e sentou-se na cama. Abriu os olhos e chorou.

Levantou-se enfim. Calçou os chinelos, puxou a calça do pijama acima do umbigo e arrastou-se para fora do quarto. Lentamente. No banheiro, esvaziou a bexiga e olhou-se no espelho da pia. Arregalou, estapeou-se e chorou.

Sentou na beira da banheira e apoiou os braços nas pernas. Fitou o piso quadriculado. Esticou as pernas, dobrou-se para frente, segurou as coxas com as mãos. Franziu o cenho, torceu a boca, apertou os dedos na pele e chorou.

Voltou para o quarto e ficou de pé, junto à porta. Acocorou-se. Dobrou-se todo e enfiou a cabeça entre as pernas. Sentou-se em posição fetal. E ficou assim. Chorando.

A claridade do dia iluminou o quarto, lambeu o chão, as paredes e seus artelhos gelados. A luz deslizou pelas pernas dobradas, pelo peito arfante, pelo cabelo desalinhado. Levantou o rosto e chorou.

Foi tudo o que conseguiu fazer naquele dia. Nada a não ser chorar. De soluçar.

No dia seguinte, acordou. Acordou e levantou. Banhou-se, comeu e exercitou-se. Foi trabalhar, comer de novo e trabalhar mais. Foi ao cinema, jantou com os amigos. Na porta de casa, à noite, abraçou, beijou e não chorou.

Dormiu e sonhou. Até despertar novamente e continuar a viver. Assim. Às vezes chorando. Às vezes não. Sem saber por quê.

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