Logo que morri, fiquei um pouco perdido. Não liguei muito para aquele monte de gente que eu não reconhecia. Lembro-me que tinha até alguns sorrindo, outros estavam visivelmente perturbados. O mais gozado era um que não se mexia e ficava lá, esticado numa cama, duro, e que era aparentemente o centro das atenções. Ele parecia acima dessas manifestações emotivas e, por isso, pareceu-me mais simpático. Depois, fui embora. Foi tudo. A única lembrança que trago.
Ou… de repente, abaixou-se uma cortina semitransparente. Estavam todos lá. Todos os meus queridos humanos que eu amava tanto. Chorei um pouco, sentado na beira da cama. Tentei tocá-los, confortá-los, mas meus afagos os deixavam insensíveis. O desejo do corpo permaneçera. Sem esperança. Como foi triste morrer. Como é feio um corpo sem vida. Vaguei por ali, para sempre, solitário. E só isso.
Ainda… levantei-me da cama. Eu morrera, e todos ficaram bastante abalados. À minha cama, meus próximos choravam, mas havia outros, desconhecidos. Falei com alguns que não responderam. Outros falavam e me entendiam. Entendi, então, que meus novos companheiros estavam mortos também. Fugi e nunca mais voltei. Meus novos amigos eram mais divertidos e menos sensíveis. Quando morri, foi assim.
Talvez… ao morrer, vaguei por um túnel, por um longo túnel de mãos dadas com um espectro horrendo com uma foice a tiracolo. Não, não foi um túnel. Foi um rio escuro, numa barca. Que nada. Um homem barbudo me recebeu, deu-me uma túnica branca e me serviu um chá com limão. Será que foi assim? Foi não. Caminhei descalço por uma estrada pavimentada de pedras pontiagudas, até entender que era mais fácil voar. Acho que estou enganado. Morri e já estava gritando novamente, todo lambuzado, de cabeça para baixo, numa luz cirúrgica. Será?
Também pode ter sido de outra forma: posso ter morrido e pronto. Só. Acabou, fim, bye-bye. Não tenho lembranças, nem fantasias.
Sabe de uma coisa? Na hora que eu morrer, decido como será.