Quando sai de casa, numa bela manhã florida, dei de cara com uma mulher desdentada, com o cabelo arreganhado e a pele cravejada de espinha. Uma visão dos infernos, coitada. “As noites mal dormidas tem a propriedade de perpetrar os pesadelos para além das portas do sono”, pensei. Segui adiante pensativo
O que será que ela teve? Que ausência de vaidade absoluta. Mas e aquele brinco espalhafatoso na orelha?
Enquanto ruminava considerações psico-socio-caritativas a respeito da infeliz, parei numa esquina esperando passagem para atravessar a rua. Distraído, virei-me para os lados: um gordo com cara de fuinha e franja sebosa à minha direita, uma loira lavada com olhos despencados e nariz de bola do outro lado ou ainda um adolescente cinzento de olheiras esverdeadas.
O sinal abriu e continuei circulando em meio àquele insólito pátio dos milagres. Nunca tinha visto tamanho atentado ao bom gosto, ao pudor estético. Nunca tinha percibido tanta miséria concentrada. Meu coração escorregava de comiseração. Mas aos poucos aquele desfile de espectros disformes contaminou me de ansiedade e nojo. Acelerei o passo e tropecei numa perna esticada no meio da calçada. Apoiei me com as mãos e enquando tentava levantar-me, pedindo desculpas ao dono do membro purulento, ele encostou no meu ombro.
Uma trocado para um pobre infermo
A visão daquele rosto dilacerado de sofrimento me proporcionou tamanho espanto que fugi dali, engolindo os joelhos e ganindo como um cão.
Concentrado, não levantei mais a cabeça e corri muito tempo até perder o fôlego. Apoiei numa parede para recuperar-me. Quando a vida retornou no meu peito, de solslaio, ensaiei olhar para os lados. Aquela rua estava praticamente deserta. Um taxi despontou na esquina. Acenei e logo eu já estava no interior do carro indicando minha casa.
O veículo percorria as ruas que desfilavam lentamente através do vidro. Depois de poucos minutos, ele estacionou. Fixando a maçaneta da porta, estendi umas notas para o motorista e desci sem olhar para trás.
Escalei os degraus correndo, entrei em casa, precipitei-me no banheiro, chequei o espelho e saí novamente. Pimpão e cheio de auto estima.
Que bom que tem dias assim. Dias que o mundo parece horrendo demais para nós que somos formosos como a diáfana tez de uma manhã florida.