Além das cartas

O carteiro estava com a mão enfiada na bolsa e com muitas caretas sem graça, indicava que havia novidades.

–    Vai logo, desentoca logo, seu Horácio.

Era sempre a mesma piada. Ele fazia mil trejeitos e gracejos, mil malandragens, para finalmente entregar um catálogo sem graça, um calendário, uma conta.

Fabíola esperava uma carta. Uma não, muitas. Fabíola esperava.

Todos os dias ela escrevia, na solidão do tempo morto, as mais protocolares das missivas, as mais apaixonadas, as mais irreverentes, formais, queixosas, ao sabor da caneta que riscava cuidadosamente o anuário telefônico. Ao sabor dos nomes, ela criava os contextos e fantasiava. Fabiola já chegara na letra “f”.

Mas a algibeira de seu Horácio era decepcionante.

–    Aqui está, ó menina, um peixinho para você.

Fabiola rastejou nervosamente no quintal, automaticamente, estendeu a mão, pegou o envelope e despediu-se do carteiro.

“Prezada Fabíola,

Muito obrigado pela sua carta.

Ela me trouxe um alento, uma carícia quase.

Não a conheço, não sei por que me escreves, talvez nunca receberás meu espasmo de felicidade. Pouco importa.

No entanto, agradeço suas palavras, agradeço o título, e agradeço o maravilhoso anonimato assinado.

Eduardo”

O susto foi grande, desfalecedor, pela primeira vez em milhares de sulcos no papel, nos olhos, no quintal.

Fabiola escreveu para Eduardo.

“Caro Eduardo,

Obrigada eu. Muito obrigada. Há anos escrevo e nunca me responderam. Nunca.

Você foi o primeiro que ousou romper a barreira das apresentações, das convenções, das distâncias, das sintonias e aparências.

Há anos escrevo cartas para pessoas que não conheço, mas sinto. Pessoas que não vejo, mas com quem sonho. Gente que existe e que adoto, solitariamente.

Fabíola”.

O carteiro estava com a mão enfiada na bolsa e com muitas caretas sem graça, indicava que havia novidades.

“Fabiola,

Eu também.

Eduardo.”

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