Dingue-Dongue

Quando Peter despertou, a cidade ainda dormia embrulhada em seus sonhos. Era seu turno. Em uma hora ele deveria estar no campanário e dependurar-se na corda, para tocar o grande sino. A rua estava deserta e restava-lhe, como todos os dias, um tempo para deslizar preguiçosamente ao longo dos canteiros, passando em revista os lírios cerrados.

Quando ele chegou à porta da igreja, a luz do dia nascente dourava os apliques de cobre, as dobradiças e a fechadura. Ele tirou a pesada chave do bolso. O batente cantou suavemente e Peter acompanhou suas modulações, entoando um salve regina. Ele retomou a estrofe diversas vezes, ao som do rangido melódico da porta.

Na igreja, o capelão ajoelhou-se de frente para a nave e, com fervor sincero, fez o sinal-da-cruz. Caminhou, entre os bancos, ritmando seus passos com a mão que batucava nos genuflexórios. No altar, ele esticou a toalha de linho, massageando a pedra fria, ordenou o missal entre os dois candelabros e acariciou a cruz, alongando os músculos do cristo de marfim.

O sol já tingia a grande rosácea, projetando no solo pequenos losangos roxos. Peter brincou um pouco com o dorso da mão, interrompendo os feixes de luz que despencavam dos olhares vítreos dos santos.

Ele atravessou a sacristia, circundando a mesa de madeira, as poltronas, os cabides paramentados, os tocheiros de procissão. Na parede, o velhinho sorriu para a grande virgem e contentou-se com o rosto saudável do rebento aureolado que desacansava em seu braço.

Peter dirigiu-se, para o fundo da sala e sentou-se um instante no pequeno órgão, mas eram quase inaudíveis as pequenas notas metálicas que ele extraía do instrumento. Ele levantou-se, abriu a pequena porta e infiltrou-se no diminuto espaço do campanário.

Foi, então, que ele finalmente tomou a corda do sino e despertou a cidade para as matinas. Peter alçou-se, contrapesando seu corpo frágil com o badalo reverberante do sino de bronze.

E ele cantava, cantava, cantava. E ele dançava, dançava, dançava. Como um cuco de carne, osso e devota paixão.

Peter era só um homem que gostava de tocar sinos. Era isso.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Connect with Facebook