Esperança

Para Neo

Sozinha, considerando, esperando, esperando, esperando, numa cela suja, uma aranha cuspia fios. De memória de aracnídeo, era imemorial a tecelagem da pequena aranha. Cuspia e engolia de volta, dia a dia, à caça de curiosas probabilidades aladas.

Sozinha, considerando, esperando, esperando, esperando.

Penélope era o nome que lhe fora dado pelo último gatuno que povoara de imprecações inocentes os ecos molhados da cadeia. E nos charmes prateados da obra de Penélope, perdidos perdiam-se. Ela, rápida, sofria a reverberação gulosa instantaneamente, corria, embrulhava e comia, composta de sobrevivência. Essa era a espera da pequena aranha.

Só um dia, só um dia, quase no fim, aconteceu diferente. A armadilha estava tesa entre as barras desde cedo. Era domingo, dia de silêncio e sol na rua adormecida. Penélope esperava há dias e, por isso, arriscara-se a mostrar-se para os tementes da justiça. Cadeia vazia não põe medo. Mas a fome era maior que o risco da vassoura do carcereiro.

Sem feira, sem animal, sem murmúrios, nada de pretendentes, e o dia escorregou desesperadamente. Quando o pretume trancou a cela, Penélope dedilhou os fios da teia que suplicaram um límpido vazio. Nenhum ruído, nada de comida. Era a hora de recolher, triste.

Então, quando a pequena desfiou a seda, lá no centro convergente da espera conformada, algo naufragara, sem alardes.

Naquele Domingo lento, Penélope comeu. Mais um Ulisses de araque.

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