Deus hoje pela manhã

Se Deus existe, ele tem que saber.

Saber da força da Terra, musculoso polvo de tentáculos infinitos. Ele tem que saber que são falsos os discursos, que são impuras as intenções, que são mentirosas as comunhões. Deus tem que saber da traição, do ciúme, das feridas perenes.

Se Deus existe, ele tem que ver.

Ver que crianças morrem no berços do egoísmo, que velhos choram de futura saudade, que, entre eles, homens flagelam-se de cegueira. Ver o deserto a galope, a floresta leprosa, o mar de secas lágrimas, o céu desfocado. Ele tem que ver que tudo é assim e pronto.

Se Deus existe, ele tem que aprender.

Aprender que o homem não é seu filho e que a fé é improvável bóia. Que transcendência e sobrevivência são de eterno divórcio. Deus tem que aprender que a morte é ruim, feia e apavorante. Aprender a falácia da salvação.

Se Deus existe, ele tem que crer.

Crer no sonho do homem, na ternura involuntária, no amor reflexivo, no afeto incontrolável. Crer que a humanidade é inocente e que, de sua transparência ingênua, nasce o humor de nascer, viver e morrer. Deus tem que crer no homem.

Se Deus existe, ele tem que viver. Se Deus existe assim, então, acho bom.

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