O céu estava cinzento, molhado e pesado. Homens e mulheres, acanhados, fixavam o chão, cumprimentando-se com os ombros, fuzilando olhares distraídos e palavras à-toa. Cápsulas de solidão indo e vindo.
A cidade crescia, zumbia, paria monstros, naufrágios, andróides gigantes espalhando seu óleo de máquina num dócil papel crepom. E os homens, as mulheres, os seres criadores recolhiam-se, mecanicamente humiliados. Utilitários descartáveis pra cá e pra lá.
Mas um ovo caiu lá de cima. Um ovo de galinha caipira. Enquanto ia despencando, o mundo desfilava acelerado. Ele via muitas nuvens e movimentos. Girando, girando, caindo, caindo. Depois veio uma galinha, apressada, de bico no prumo da queda, seguida por um dragão faminto, no balanço de uma língua enorme.
O ovo, a galinha e o dragão riscavam o vento, descendo perigosamente em direção ao asfalto povoado.
Nenhum humano viu nada quando a galinha recuperou sua futura prole, quando o dragão engoliu tudo de uma lapada só, bateu asas e sumiu.
Mas uma cadeira caiu lá de cima. Uma cadeira de madeira e palhinha. Ela rodopiava de pernas para cima mobiliando o ar. Depois veio um criado-mudo vociferando atrás da companheira perdida e um gato gordo, peludo, miando e fungando.
Os três vizinhos apostavam letal corrida na rua hipocondríaca.
Ninguém viu coisa nenhuma e cadeira, criado-mudo e gatão enfurnaram-se numa janela anfitriã.
Mas uma peruca deslizou céu abaixo, encrespando seus fios castanhos no pó suspenso. Depois veio um leque andaluz, com suas rendas esbanjadas e um espelho de mão, caçando os reflexos perdidos.
Ficou por isso mesmo e os vaidosos do toucador passaram em branco. Homens e mulheres da rua nada perceberam.
Só quem viu, só quem se maravilhou, foi o betume da rua, mas ele era mudo e mouco.