Fome de voar

De tanto voar, de flor em flor, beliscando a chuva, no embaraço das nuvens, arf-arf, ele pousou cansado no topo do telhado. Muitos dias de calor e fome depois, o passarinho já tinha esquadrinhado todo o jardim e puxado a aventura até as fronteiras do asfalto, tintim por tintim. Nada de comida, a natureza murchara como numa invasão de gafanhotos gulosos, pilhada, humilhada, snif-snif, triste, muito triste.

Mas o estômago colado não deixava o passarinho apiedar-se da desolação que o cercava, e reclamava a barriga num ronronar eloqüente. Era preciso pensar, encontrar uma solução ou exilar-se e migrar como tolos patos e outros qüenqüéns. E foi como abrir uma grade que grita, neurônios grudados a desengruvinhar.

Após de muito matutar, o passarinho finalmente encontrou a saída e respirou aliviado, aleluia! O jeito era aproximar-se do viveiro, do xilindró, jogar um blá-blá-blá no cárcere e assuntar uma sobra, uma esmola. O passarinho foi, então, bater à porta dos veteranos condenados que nem cacarejaram com a chegada do esquálido tico-tico.

O passarinho sorriu, seduziu, contou piadas e até ensaiou um canto desafinado, mas os periquitos histéricos deram de ombros: nem um pio de compaixão. Ele tentou argumentar, prometeu, implorou até um longo chororô, mas nada, nadica de nada.

O passarinho, mordido de ódio, não se acovardou e alçou um vôo exibido com muitos frufrus e tititis.
E assim planando, o passarinho esqueceu o não-me-toque e o jardim de marré de-ci.
Assim bailando, o passarinho nem Tchum: mais vale voar do que um prato para ciscar.

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