Fulano, Beltrano, Sicrano e o tomate

Aqui finda a história ao contrário.

Por isso, ela começa pelo fim, quando Fulano morreu. Ele morreu porque escorregou num tomate e aconteceu de, naquele dia, Sicrano adormecer guiando sua caleche. O coração não suportou o susto. Fulano tinha ido para a feira e Sicrano voltava do baile em homenagem ao príncipe de Macau na casa do duque Beltrano.

Fulano ia para a feira a pé, atravessando a rua, andando pela calçada, descendo a escada. Sicrano sonhava com a bela que lhe prometera reencontros, com a mãe e também com as contas a pagar. Beltrano, por sua vez, bebia para esquecer a solidão do palácio deserto, a desfeita do príncipe, os fuxicos da traição da esposa.

Fulano não dormiu na noite que precedeu seu fim. Ele trabalhava na casa de Beltrano, que contava com sua inventividade culinária para impressionar os convidados em suas festas. Sicrano chegara cedo, para investigar os convivas, localizar sua presa, armar um plano de sedução com calma. Já Beltrano se esmerava, recitando com fingido improviso as polidas boas-vindas que endereçava aos seus nobres hóspedes.

Sicrano passara a tarde no cabeleireiro arrumando a peruca, Fulano orquestrava os preparativos, e Beltrano assinava os mimos preciosos que encomendara para agradar a sociedade.

Fulano foi empregado por Beltrano dois anos antes de sua última festa. O pai de Sicrano estava falido e dispensara Fulano com pesar. Beltrano era um ambicioso nobre rural, que acumulara uma fortuna na suas terras férteis. Sicrano desde jovem colecionava as conquistas amorosas, sem preconceitos nem foco. Fulano, graças a suas viagens com o príncipe de Macau, quando jovem aprendeu todas os temperos do Oriente, todas as iguarias, todos os segredos da alquimia gastronômica oriental.

Sicrano nasceu no castelo de sua mãe, enquanto seu pai se ocupava de fantasiosas embaixadas. Beltrano era filho único, esperança da linhagem, mas feio de doer. Fulano foi abandonado na porta de um convento, num cesto de feira.

Aqui começa essa história. A história do conto que escorregou no tomate.

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