Era longa a jornada. A poeira de muitos ventos e imagens em turbilhão turvavam o olhar. Eles pararam para descansar, soprar, organizar os frangalhos de nuvens que se acumulavam nas asas. Fito, o pardal, e sua gangue fugiam.
Tudo por causa de umas migalhas de brioche.
Era primavera e os frufrus da corte voltaram a mobiliar o parque. O frio tinha sido longo, mas os narcisos que emolduravam os canteiros anunciavam uma temporada de piqueniques e apetitosas festas. Naquele desastroso dia, Fito saiu cedo para sua vistoria matinal e se surpreendeu com a agitação do parque. Em grande aparato, as alamedas ornadas de tafetá vermelho conduziam para uma enorme tenda acolchoada de tapetes profundos, fofos pufes, mantas bordadas e crianças obesas esparramadas nos quatro cantos. Numa mesa que circundava a construção, cataratas de doces, pães e guloseimas brilhavam ao sol. Fito salivou e ordenou o poso no galho escondido de um grande carvalho que sombreava o palácio de seda. Os mordomos de libré safári, armados de grandes leques de vime, circulavam em vigília. Fito apanhara muitas vezes e sabia do risco de uma incursão inconsciente. Por isso ele aguardava, sereno, a abertura das festividades para, no meio da confusão gulosa, ordenar a rapinagem.
Ao toque de trompetes agudas, uma ruidosa procissão aproximava-se, precedida de Sua Majestade, a rainha Maria Antonieta, tronando em seu luxuoso baldaquino egípcio. A festa ia começar.
Fito conhecia o cerimonial: a rainha batia com seu escarpim no tablado central, e os nobres precipitavam-se no grande bufê com ganância e selvagem soberba. Era o momento de descer da árvore e infiltrar-se nas rendas em louca agitação. Foi um regalo, uma comilança da qual Fito e sua turma não desfrutavam havia muitas temporadas. Quando os papos finalmente davam sinais de lotação completa, os pardais da corte ousaram aproximar-se da rainha, deitada em uma grande almofada. Com modos ela comia um brioche dourado. Os gatunos aguardavam o clímax do banquete: a migalha final.
Quieto, eles observavam a mastigação educada e quando o derradeiro pedaço se aproximou da boca da rainha, Maria Antonieta deitou um olhar piedoso ao chão. Lá estavam os pardais, sonhando com uma bicada no brioche de Sua Majestade.
A rainha levantou a voz, e a corte silenciou repentinamente. Foi como se o tempo tivesse paralisado seu incontornável curso.
“Coitadinhos. Querem pão, damos-lhes brioches.”
E num esfarelo magnânimo, a rainha jogou por cima dos pardais tementes, misericordiosas migalhas.
Até hoje muita confusão existe por causa do caridoso gesto.
O resto da história é bem conhecida. A rainha foi decapitada, a corte caiu e a revolução coroou democráticos comedores de brioches.
Mas foi assim que tudo aconteceu, por causa de uma migalha de brioche e uma trupe de ousados pardais.