Michelle era uma mocinha muito sonhadora, daquelas que observam a vida com encantamento e surpresa. Se o café caía na mesa, ela regava as flores marrons que desabrochavam na toalha engomada. Se a chuva babava na janela do quarto, ela acalentava as gotinhas com seu bafo fértil e, até quando a tia desconhecida morreu e virou nuvem, Michelle soprou bem forte para dissipá-la no céu.
E mesmo mais velha, bem mais velha, ela continuava assim, eternamente virgem.
No dia de seu aniversário, Michelle fez uma grande festa na sua casa. Convidou a cidade toda, e todos foram prestigiar as flores que Michelle inaugurava no seu jardim. O canteiro de narcisos era um espetáculo.
Lá pelo meio da noite, Michelle fez discurso, abriu os presentes rodeada por seus queridos amigos, distribuiu sorrisos e poemas e puxou uma ciranda que rodopiava em espiral pelo gramado.
Mais tarde, quando a música ninava as namoradas e namorados, foi servida uma enorme musse de chocolate com geléia de damasco e marzipã. Depois, jogaram críquete entre os pinheiros, esconde-esconde no sótão e também juras de amor, escondidos entre os arbustos. Teve também a hora da meditação, dos abraços coletivos, da fila do chá de alfazema, do batismo dos narcisos do canteiro. E caça aos morangos recheados de caramelo, oficina de borboletas de papel crepom, contagem das estrelas, declamações apaixonadas e mais música, mais dança, mais canto madrugada adentro.
Até a lua, essa desavergonhada, perdeu a hora naquela noite da festa de Michelle, e quem não foi também adorou porque o sol, galante consorte, despontou mais tarde no dia seguinte.