Chovia na cidade. Chovia na panóplia.
Numa calçada molhada tinha um coração rebolando e tossindo sangue pela aorta esgoelada. Lentamente, grosso, o líquido encarnado escorria no chão, bebendo os detritos, desviando das gimbas, penetrando as frestas. O fluxo hemorrágico singrava então, para adentrar, guloso, no bueiro. Nas palhas que secavam na grade enferrujada, o sangue respingava sua tinta viva.
No escuro, os glóbulos boiaram no esgoto pardo. A jornada foi longa, tenebrosa. A cada esquina, as enxurradas entravam desesperadas, carregando as folhas suicidas do verão. Lá embaixo, a emulsão podre de lama salivava o sangue diluido. Na central de escoamento, a lavagem dos intestinos da cidade afluía sem parar.
No cenário inteiro, aos quatro cantos, muitos músculos solitários pulsavam, sob a chuva. Nada nas ruas desertas e, aos poucos, o asfalto, o concreto, os gramados regurgitavam sangue, e os esgotos transbordavam seus eflúvios.
Quando a última gota de chuva despencou, um último filete de sangue esvaiu-se pelo asfalto.
Na grande cidade, armadura pretenciosa, a carne apodreceu, estéril. O sacrifício findou, escoando o script pelo esgoto.