Céu

O cortejo se arrastava e fazia muito sol. O suor que descia em pérolas sofridas diluía-se nas lágrimas de alívio. Até as pedras do caminho rangiam sob as botinas.

Pedro estava lá também, tropeçando com os outros. Esforçava-se para o silêncio em grandes suspiros.

Mas tinha um gato sorrindo entre os túmulos. Tinha também uma planta sapeca abraçando uma estátua velha. E uma palavra apagada numa lápide, o casaco cheio de raízes da tia Eleonora, a cruz embainhada numa lata de lixo, a bola de gude no bolso furado e aquele monte de gente estranha, velha, velha, velha. Aquela lá com cara de funil, o outro com uma baleia na barriga, a dona do mercadinho com a vassoura no bigode e a avó cantando em falsete. Tudo isso dava vontade de rir e, cada vez que ele sorria, Pedro lembrava-se que era pra chorar. Então, ele olhava para o sol bem forte, muito tempo. Um tempo ele ficava bem sério e até lacrimejava.

Mas toda vez era a mesma coisa, porque tinha um gato com uma espada enorme cutucando uma baleia. Ou uma bruxa barriguda escrevendo no céu. De nuvem.

Quando acabou o enterro do primo, ele voltou para casa e chamou o Célio para brincar. Mas o Célio não estava. Nem depois naquele mesmo dia, nem no dia seguinte.

A mãe, então, explicou que era porque o Célio tinha morrido e que, quando a gente morre, tem enterro e tudo. E também não volta mais, nunca mais porque vai pro céu.

Pedro correu para o quintal e chamou Célio no céu. De nuvem.

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