De acreditar e de pensar

Gabriel estava pensativo diante do tríptico. Em uma das faces, um homem saía de um caixão, quase sorrindo sob a bênção de Deus que, do outro lado, distribuía pães e peixes para uma multidão. Mas no centro estava o problema: ele agonizava numa cruz. Vai ver ele só aprontava, fazendo de conta sempre, e as pessoas descobriram.

Adiante tinha uma outra cena. O barrigudo flutuando numa folha. Devia estar sonhando, gordo daquele jeito! Devia ser isso, porque, na moldura, tinha o mesmo Deus dormindo debaixo de uma árvore, cochilando na frente de um monstro cheio de braços ou de uma flor estranha.

O museu tinha outras brincadeiras. Por exemplo, um alfabeto todo desenhado na pedra. Não dava para entender nada, mas na plaquinha ao lado estava escrito: Alah (o nome do cara) todo poderoso. Era um super-homem que nem capa e músculos tinha. Só letras estranhas, como cobras se entrelaçando. Bizarro.

O setor dos deuses, vários deuses, um para cada coisa, era mais legal. Tinha o padeiro, então, tinha que ter o deus do pão; tinha a professora, então, tinha que ter o deus dos livros; o enterro da avó, e o deus da morte; o pai e aquele deus que comia seu filho, quando ele fazia besteira.

Gabriel não era bobo nem nada. Ele sabia que os museus eram como histórias. Museus eram de mentira. Mas ele gostava de ficar pensando. Porque quando as pessoas pintavam era como se Deus ficasse mais de verdade, verdades de mentira, claro, mas de verdade. Não era como nas rezas que eram só verdades e, cada vez que parecia mentira, daí ele achava que Deus ia ficar bravo. Era melhor nem pensar. Mas também por isso, ele gostava dos museus e de ficar pensando.

Pensando que Deus de rezar é legal porque é meio de bolso. Já Deus de museu só tem em museu.

Pensando que quando a gente tem o Deus de rezar, é para acreditar; e os deuses de mentira, é para pensar.

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