Aranhas e catitas

–    Catitas me roem!

Foi assim que a avó, sentada na sua poltrona enorme, gritou quando me viu. Tomei um susto. Na entrada do caramanchão, com Benê de um lado e Malê do outro, pensei que aquilo não era maneira de me tratar na frente dos meus amigos. Fiz cara feia, para segurar aquela maldita vontade de chorar. Olhei para o chão, envergonhado não sei de quê. Mas foi bom, porque eu tive vontade de rir e Benê também. O pé da minha avó era uma coisa incrível. Todo engelhado, corcunda e com os dedos se atropelando. Sempre pensei que, quando ela morresse, eu ia lá, à noite, para ver onde se escondia o mindinho.

Quando ela fez sinal para eu me aproximar, rodeei a cadeira de balanço vazia do meu avô, que tinha morrido uma vez. Era proibido tocar nela e sentar também, que ele vinha de noite puxar o pé. Fiz sinal pros meninos saírem de fininho, mas claro que Malê perguntou por quê. Olhei pra ele e fiz cara de bravo. Daí, eles foram embora. O caramachão da minha avó era muito grande. Tinha tanta planta e tanto cheiro que, sempre que ela estava dormindo, eu mais Judite, a gente ia lá caçar as aranhas. A Judite me falou que aquelas aranhas fabricavam perfumes mágicos. Eu acho que minha avó é uma aranha bruxa inclusive. Ela sempre tinha aquele perfume que me deixava tonto. Por isso.

Quando cheguei pertinho, mas não tão perto assim para ela não me abraçar, pedi bênção. Ela era meio surda também e começou a falar. Eu nunca entendia direito o que ela queria, porque acho que ela estava virando aranha mesmo. Mas ela fez uma cara muito feia e eu dei um pulo para trás. Daí, ela começou a babar um monte. E falava e babava. E quanto mais ela babava, mais ela falava. Fiquei até com pena da minha avó. Porque ela estava muito nervosa e velha também. Muito mesmo.

–    Vó, o que foi, vó?

Daí que eu entendi que ela estava em processo de mutação mesmo. Como as borboletas, só que, no caso dela, era de aranha. A baba não era baba. Depois a Judite me explicou  que eram teias de aranha em estado líquido. Pensei em chamar alguém, mas a casa estava vazia, e o Benê e também o Malê tinham ido embora. Nem a Judite estava.

Foi daí que eu fiz a coisa mais corajosa de todas. Eu tinha uma certa experiência com as aranhas e, sempre que uma tentava escapar, porque elas eram rápidas as aranhas do caramanchão da minha avó, eu cortava os fios da teia logo lá em cima, perto do ninho e elas sempre caíam na garrafa. Mas é claro que nesse caso era diferente, porque era a aranha bruxa em processo de mutação que ainda por cima era minha avó.

Então, eu cheguei perto e bem forte puxei as mãos dela. Ela não andava muito não minha avó, quer dizer, quando ela não era aranha ela só se arrastava, com a Judite puxando ela assim com as mãos. Ela continuava babando, mas ela parou de falar e de fazer caretas. Arrastei a velha pra cadeira do vovô. Ele não ia se importar, porque era a mulher dele.

Foi daí que ela se acalmou, parou de babar e nem virou aranha mais. E até morrer, uma vez, muito tempo depois, ela sempre sentou ali.

A poltrona dela, velha, velha também, a Judite jogou fora,  porque estava toda roída por uma catita que morava ali e que um dia roeu a bunda da minha avó.

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