Bromélia

O entregador suava muito. Afinal de contas, eram seis andares sem elevador, carregando uma enorme bromélia. “Cuidado moço, não vai me quebrar as folhas, pelo amor de Deus.”

Mas finalmente, lá estava ela, tronando na sala, lasciva e indiferente. Os membros escancarados lustravam a luz opaca do apartamento. “Acho que vai dar vida”, disse a amiga da floricultura, “vai combater a morbidez da cidade”. A morbidez da cidade?! Será que ela estava querendo dizer que a minha casa era mórbida? Que minha vida era mórbida? Que faltava vida na minha vida? Nem olhei o preço daquela oferecida e comprei a gigantesca bromélia, que agora atravancava minha sala. Mas fiquei contente, apesar do susto que levei na primeira noite, a caminho da cozinha. Tropeçando de sono, a instalação tenebrosa expandia seus tentáculos na penumbra, como um polvo do inferno.

Aos poucos, no entanto, acostumei-me com a intromissão e concordei tácitamente com a presença dominante da bromélia. Adaptei rapidamente meus itinerários para não desfolhá-la, para não tocá-la e, de preferência, para não cruzar seus mil olhares famintos.

Com o passar do tempo, vi-me conversando baixinho com a messalina. Eu pedia-lhe bênção para qualquer mudança no ambiente e até solicitava-lhe seu acordo para eventuais visitas. Finalmente, alguns meses depois, estávamos totalmente familiarizados um com o outro e eu assumia, com muita naturalidade, sua ascendência psicológica. Confesso que eu até gostava da nossa relação, já que ela me dava o conforto da dependência.

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