Como velar-se do casamento

Plínio saltou para fora da água. Ele se espreguiçou longamente, esticando as nadadeiras, mas tomou um susto enorme. Pesada, por cima da linha do horizonte, uma tempestade enegrecia a manhã.

O honrado bacalhau não acreditou e repetiu a ornamentação várias vezes. Era verão e no verão não chovia. E mais: ele estava noivo e chegara o dia de suas núpcias. Além disso, tinha o cruzeiro austral que coroaria sua lua-de-mel e Marcelina, tão sensível, tão nervosa, tão inocente, tão desprotegida! Adiar? Nem pensar. Contar para ela, pior ainda! Transferir o local para uma caverna protegida, talvez fosse uma idéia. Mas e as flores, o bolo, os chapéus das damas especialmente confeccionados para a garden-party originalmente planejada? Isso era impossível também.

Só lhe restava uma alternativa. E foi assim, cogitando, que Plínio afundou e nadou rapidamente para o salão de beleza. Marcelina esperava notícias da previsão do tempo que definiria qual dos véus usaria, se o longo, vaporoso para correntes leves ou o curto, rendado em caso de ondulações sutis do mar.

Tempestades são inimigas dos véus, todos sabem.

E se ele dissesse simplesmente que o véu lhe parecia desnecessário, enaltecendo, assim, sua nobre testa, suas escamas prateadas, sua tez? Ou talvez ela pudesse amarrar a organza com a tiara de algas polinésias que Plínio lhe havia dado na celebração de seu noivado? Quem sabe não ficasse melhor ainda encimar a cabeça de Marcelina com um chapéu? Ou grampos? Transformar o véu em turbante à moda do golfo pérsico? Quem sabe um nó cigano? Como convencer Marcelina? E pior, seus cabeleireiros, maquiadores, estilistas e a mãe? A mãe, aquele arenque empalhado, aquela moréia desdentada, histérica!

Plínio estava desesperado, aflito, tresloucado.

Mas, afinal, para que véu? Para que o protocolo? Para que tanta cerimônia? Para que festa, convidados mil, bacalhaus de companhia, coral de sereias? Esponjas e anêmonas enfeitando o cortejo? Sogra fedida e sogro e cunhados e primos e cardumes de familiares? Para quê?

Para que véu de noiva? Para que véu? Para que casamento, véu, noiva, por Netuno?

Para velar a honra da noiva, Plínio velou-lhe a tempestade. E, velando a tempestade, velou-se-lhe o raciocínio.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Connect with Facebook