Feijões, lingüiças e o resto

Era um prato de feijão branco com algumas pelancas afogadas.

Boiando na travessa, feijões, lingüiças, nacos de penosa e uma folha de louro atropelavam-se acaloradamente. Mas, para quem via de cima, por entre os odores aromáticos, o ambiente era harmônico.

De volta ao prato, o mais gordo dos grãos, elevou a voz e, colocando todo o bafo para fora, gritou um canto marcial. Alguns ingênuos feijões acompanhavam em coro. E, quando ele finalmente resfolegou, não faltaram vaias e risadas. Quem liderava a pilhéria era uma rodela vermelha de lingüiça. O velho general feculante ainda se agitava de indignação, mas a massa ingrata deu de ombros para suas medalhas e mofadas conquistas. A lingüiça era uma palhaça. Sua pantomima era hilária e, apesar de por vezes vulgar, o plenário inteiro gargalhava.

Jacquin, o guarda-florestal da província, sua esposa, Marceline, e duas bufas crianças sentaram-se à mesa. “Deus é bom, Deus é grande. Agradecemos, Senhor, pelo pão, pela paz – e avistando a travessa fumegante – pela paz e por essa maravilha aí.”

Aqui em baixo, os humores amainaram-se rapidamente. As penosas arrepiaram-se, os feijões rebolaram e até as irresponsáveis lingüiças soltaram gritos de pavor. “Maravilha”, ele havia dito “maravilha”! E mais uma vez, sem ser convidado, foi o veterano militar que tomou a palavra: “Meu povo, minha gente, maravilha é o nome. É disso que ele nos chamou. “Feijões, lingüiças e penosas, uni-vos e que o Todo-Poderoso nos guie” e numa bravata vingativa, acrescentou: “Palhaçada não põe mesa, uni-vos!”. Boas de palanque, as linguiças teorizavam ironias maliciosas. Bom de pelanca, o general distribuía ordens e autoridade.

Mas os partidos rapidamente se dissiparam, porque a família já engolia um “amém” protocolar. Marceline levantou-se e, com sua voz de falsete anunciou, o início dos trabalhos.

Foi guloso o ataque. Jacquin comeu três pratos, Marceline, um e os fedelhos obesos até lamberam os pratos. Foi passiva a defesa. O general morreu heroicamente na garganta do guarda- florestal, as penosas suicidaram-se e as lingüiças discursaram, mas foram devoradas sem piedade.

Após o almoço, enquanto a família resfastelava-se preguiçosamente na varanda, lá na mesa, na travessa deserta, a folha de louro, bardo venerando, cantarolava, com sua lira, a inoperância das políticas do cassoulet.

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