Causa de quê?

Marta achou tudo aquilo estranho, mas não esquentou. Mesmo quando ela acendeu um cigarro e nenhuma fumaça saía de sua boca, mesmo quando ela não se enxergou no espelho. Até de tomar banho e não sentir frio, nem ficar molhada, nem cheirosa. O sono estava aprontando com ela.

Já vestida e, apesar da saia cair, mesmo apertada na barriga, só ficou de fato espantada quando empurrou a porta da cozinha com os ombros e deu de cara com a rua.

Aquilo já não era porque dormira pouco ou mal. A cozinha tinha sumido. Assustada, ela fechou-se com pressa na sala e, sentada no chão, começou a raciocinar. Mas, apesar de todas as lógicas e desculpas, nada se encaixava. E muito menos a falta de sombra ao pé da jabuticabeira, o livro voando a poucos centímetros do chão e o sumiço de Gibi, seu gato.

Marta rezou um pouco. Gritou, mas nem som saiu e, quando cerrou os dentes, sua voz se pendurou no teto com letras enormes. Não é que nada acontecia. Acontecia, mas diferente.

É que o tempo se rebelara contra as causas e seus efeitos. Culpa da Marta: era só olhar, pensar ou querer, que tudo se atrapalhava. A observação mudava o efeito da causa. Era isso.

Uma hora, já noite, uma idéia despencou-lhe no colo. Sabe-se lá de onde. Simples, cristalina: “É só não provocar, que não acontece”. Foi o que Marta fez, e tudo entrou na normalidade. Só restava resolver o problema de como acordar sem causar nada.

Mas como não dava para dormir eternamente, no dia seguinte, tudo continuava estranho, porque causar era mais forte do que Marta. E os efeitos continuavam desordenados, voluntariosos, excêntricos.

Paciência.

Marta contentou-se com isso. Assim. Pelo resto da vida.

De casualidades em casualidades, ela sobreviveu. E o único efeito causal do resto de sua vida foi quando ela morreu.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Connect with Facebook