Pesquisa: ópio do marketing

Os grandes generais, comerciantes, legisladores, pensadores e até heróis, lá na Grécia, antes de qualquer batalha, negócio, decisão, hipótese e ato de bravura consultavam as estrelas, os augúrios siderais. Consideravam.

Na origem, considerar (cum + siderare) significava examinar com cuidado e respeito religioso os astros, segundo os princípios da astrologia. Ao pé da letra, estar (em reflexão) com as estrelas. Considerar sobre algo significa ler as estrelas, ler o futuro. Ou, para simplificar, pedir a opinião de Deus.

Pedir a opinião de Deus é rezar. Mas Deus nem sempre responde, aliás, geralmente não responde. Pois as respostas vêm através de sinais, casualidades, arrepios, sonhos. Ou, para simplificar, intuições.

E, para simplificar novamente, no passado ninguém dava um pum sem usar a “intuição positivada através das considerações divinas”.

Até que rolaram grandes coisas com essa ferramenta: por exemplo, os gregos destruíram Tróia, Alexandre conquistou o mundo, Adriano fez a grande Pax Romana.

Pesquisa contra intuição

Hoje muita coisa mudou. Ninguém liga mais para as estrelas, nem para Deus, nem para coisa nenhuma. A intuição é um veneno nefasto. É coisa do demo, de satanás, do “mardito” chifrudo. A intuição leva ao mau caminho.

Do alto das nossas estratégias, nossos modelos estatísticos, nossas teorias marketísticas-propagandistas, a gente substitui a “leitura das estrelas” pelas pesquisas com os consumidores e a intuição, pelo “cagaço conservador”.

Daí, a gente disseca os consumidores, tipifica-os e os encarcera em questionários cartesianos ou salas fedendo a coxinha, tabelas, gráficos, apresentações de power-point e análises recheadas de clichês.

Depois desse monte de científicas certezas, a gente toma decisão: corta aqui, disseca dali, aumenta cá, suaviza acolá. Agora sim, riscos minimizados, vamos arrasar, fazer wow, causar orgasmos consumistas desenfreados: carnificina.

Ou, então, depois desse amontoado de modelos estatísticos, a gente se posiciona: lê tudo, faz de conta ser sério, compenetrado, focado. Agora sim, podemos decidir o que apresentar: o chart que confirma a vaidade, o preconceito ou a opinião politicamente correta. Os demais, contraditórios ou muito ruins, jogo no lixo, desconsidero e omito: mentira.

É para isso que a gente faz pesquisa? Para assassinar idéias ou para transferir autorias? Carnificinas científicas. É para isso que a gente faz pesquisa? Para trapacear ou masturbar o ego? Mentiras científicas.

A gente não dá um pum sem fazer pesquisas. Mas as pesquisas têm, muitas vezes, servido para frustrar ou substituir a intuição. Ao invés de serem missais inspiradores, são catecismos inquisidores.

Vício processual: as metodologias

O primeiro erro da maioria das pesquisas consiste na sua própria liturgia formal. Um erro quântico: a simples observação altera a realidade. O fato de colocar o consumidor como agente “ativo” é uma situação artificial que leva a conclusões artificiais ou mentirosas.

Ainda que se assuma não existir “autenticidade” pura – a vida é uma constante representação – as técnicas de pesquisa de mercado devem ser, ad extremis, neutras, invisíveis, passivas. Quanto mais próximos conseguirmos estar da “espionagem”, mais próximos estaremos da autenticidade ou, no mínimo, da representação menos fabricada que se possa ter do entrevistado.

Epidemia eufórica: sacralizando resultados

Uma vez que a pesquisa de mercado se tornou uma prática rotineira, assusta perceber que é sempre a última em título que está valendo. Ela influencia subliminar, maliciosa e inconscientemente. As conclusões, por mais furtivas, supérfluas ou impertinentes, tornam-se verdades absolutas.

Interpretação: o perigo dos oráculos incompetentes

O maior de todos os erros está na interpretação dos resultados, pois elas se substituem à tomada de decisão. Com as pesquisas, os decisores eximem-se dos riscos e, na pior das configurações, os analistas – externos e independentes – são soberanos nas opções da marca.

Pesquisa é diagnóstico, não é atestado de vacinação.

A menos que aceitemos que o arsenal investigativo (e conclusivo) das pesquisas tem a utilidade esperta de se substituir à capacidade, ao talento, à experiência, à capacidade de tomar decisões: quando as pessoas são ruins e fracas, pelo menos a pesquisa impede o desastre.

Pesquisa: insumo da intuição

Mas pesquisa é insumo da inteligência e não inteligência em si. Não é ferramenta, é matéria prima de marketing.

É vital quando somos capazes de transcender as regras e os cabrestos, quando é para:

– Considerar, conectar-se. Pesquisa é uma religião no sentido etimológico da palavra: religar-se com o consumidor.

– Inspirar, nutrir a intuição. Pesquisa é para iniciados. Não é para heréticos, ignorantes ou despreparados que se barricam atrás de pseudociências.

– Batizar e comprovar. Pesquisa é para dizer, lá na frente: “Viu como deu certo?” ou “Viu como deu errado?” Pesquisa não é censura e não é para bundões.

Pesquisa é profissão de fé, e não auto-de-fé.

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