A propaganda vive de surtos. Isso é bom porque revela uma atividade em constante ebulição, questionadora e dinâmica. Importa menos identificar quais as tendências que irão transformar-se em filosofias, modelos, posicionamentos perenes. Importa mais o profícuo debate.
Estabelecer uma relação com um consumidor através das mais diversas formas de contato de que dispomos não deveria precisar de templates, formatos e regras. Deveria dispensar quaisquer amarras formais. E tampouco deveríamos surtar nas tendências.
Mas o que pega agora é tal do conteúdo. É a nova onda.
As primeiras leituras que se faz sobre o tema, no entanto, são naturalmente rasas. Pois, “desenvolver conteúdos”, para anunciantes, é uma estratégia de subversão da separação clássica de papéis: o conteúdo dito editorial, é de responsabilidade das mídias e o dito comercial dos anunciantes. Sem promiscuidade. O que se sugere, portanto, é que os anunciantes também poderiam, e podem, criar e distribuir conteúdos de cunho editorial a seus potenciais consumidores.
Para não citar o jurássico merchandising, ou sua re-visita, o product placement, o que se propõe é, no final da linha, uma insidiosa mistura de conteúdos (editorial e comercial). Nada de errado e tampouco nada de novo.
Mas é pouco relevante discorrer sobre o óbvio. A obviedade de que os consumidores estão mais espertos, mais voláteis, menos fiéis, mais infinitamente permeáveis a infinitas mensagens, mais críticos também. A obviedade de que os formatos tradicionais de publicidade por vezes rateiam. A obviedade de que os anunciantes querem mais por menos e idéias fora da caixa. A obviedade de que a promiscuidade do editorial/comercial é tentadora.
O que, no entanto, é menos evidente diz respeito a uma certa maneira de entender a propaganda, para que ela serve e o que ela pode.
A propaganda, por definição, estabelece uma relação comercial transparente com seus consumidores. O pack shot é o arauto dessa relação: “estou aqui para lhe convencer que esse produto é bom para você”.
No entanto, excetuando-se a propaganda de varejo clássica que não tem a menor vergonha de ser um pot pourri de pack shots, há muito que a propaganda procura outros caminhos.
A nova propaganda procura estabelecer uma relação que transcende ou excetua a comercial. E não me refiro aqui a mais uma obviedade: “atributos emocionais são mais eficientes que os racionais”. Falo da tentativa de externar uma maneira de ver o mundo, de ser e de viver, de divertir e entreter. Tão simples quanto isso. Tão contundente porque significa, para o consumidor, que a marca em questão desenvolve produtos para aqueles que vêem o mundo daquela forma ou, melhor, a marca em questão é criada por pessoas que vêem o mundo daquela forma.
É fácil construir um posicionamento sobre uma verdade inapelável. Aliás, um posicionamento não se constrói, um posicionamento se descobre. Um posicionamento não se inventa, se revela. Quando existe essa verdade e quando essa verdade é boa, o papel da propaganda é tão somente discorrer sobre ela. Uma marca pode se comprometer com essa verdade como um artista pode se comprometer com a verdade que ele transborda para suas obras.
E isso é conteúdo.
No entanto, se a marca não tem verdade dividir, ou se essas verdades são inconfessáveis, então porque uma marca não pode simplesmente ter uma propaganda bela? Uma propaganda divertida? Uma propaganda sensível? É muito menos perigoso do que inventar um posicionamento e comprometer-se com essa mentira.
E isso também é conteúdo.
A propaganda de moda talvez seja a mais controversa das especialidades. Muitos negam seu valor. Mas é incontestável que a propaganda de moda, há muito tempo, faz conteúdo sinceramente superficial e verdadeiro. Os consumidores pautam suas referências, seus gostos, suas atitudes, suas maneiras de ver o mundo por esse conteúdo aí – comercial? editorial?
E se a propaganda de moda não tem “idéia” – esse paradigma rotulador da “boa propaganda”, se a propaganda de moda não tem “marca”, não tem “pack shot”, ela nem por isso deixa de ser propaganda, nem por isso ela deixa de ser eficiente.
Talvez devêssemos questionar e debater o que é conteúdo na propaganda ao invés de lançar idéias óbvias como as de criar um programa, um veículo, um site, um filme da marca.
Nada contra, mas é tão raso!
Muito mais difícil, muito mais excitante, é criar esse “conteúdo” num comercial de 30 segundos do que num média metragem. Muito mais difícil e excitante questionar os paradigmas da propaganda tradicional do que ressuscitar, entusiasticamente, o “repórter Esso”. Muito mais difícil e excitante debater as mentiras mascaradas que nos briefam do que fazer house organs travestidos. Muito mais difícil e excitante admitir que já se faz propaganda “conteúdo” no mundo – e no Brasil, do que recorrer histericamente ao canto da tendência rasa.