Pobre é diferente da gente, sabia?

O que acontece com o jovem de periferia? Como ele é? O que ele pensa? Em que ele se espelha? O que ele propaga? O que ele consome, curte?

Que me perdoem o recheio de preconceitos e a utópica paródia do bom selvagem, mas farei um relato experimental.

Na periferia, a violência é uma questão de interpretação, de olhar, de preconceito portanto. Pobre não rouba pobre. Matam gente? Matam né, claro. Mas o cara traiu o traficante. Merecia morrer. O traficante é o protetor e provedor. Cara de palavra, de moral. Traiu, tem que morrer. Normal.

As leis do asfalto não dizem respeito ao morro. No morro tem palavra, no asfalto, advogado.

Na periferia, a diversão é diversão. É curtição, carpe-diem. Hoje é hoje e amanhã é amanhã. Se acabar a grana, as dívidas, o trampo, é coisa para amanhã. Agora quero me divertir, pegar a mulher que me quiser e dormir bêbado com a batida do funk ninando meu sono realizado.

No asfalto, a diversão de hoje é o proveito de amanhã. No morro tem gozo.

Na periferia, o cara é meu broder porque conheci ele na rua, no trampo, na internet. A gente levou um papo e bateu. Virou broder. Se ele tem grana, legal porque ele vai pagar a cerveja pra mim às vezes. Se não tem, eu pago. Na boa. Depois ele paga, se der.

Aqui, é toma lá, dá cá. No asfalto tudo tem preço. No morro, tudo tem valor.

Na periferia, o cara curte as marcas, consome, valoriza o que é bom e paga por isso. A moeda é o escambo. Te dou isso que você quer e você me dá isso que eu quero. Grana eu não tenho mesmo, mas tenho coisas. Você também.

A gente devora imagem e depois cospe. Eles têm fome, a gente fastio.

Na periferia é igual aqui. A gente não curte muito as coisas que a mídia mostra pra gente. A gente filtra tudo e nem fala. Lá pensam que a mídia fala o que rola aqui e aqui a gente acha que ela fala o que rola lá. Deve ter quem goste e assiste. É por isso que é assim há tanto tempo. Mas sei lá. Deixa quieto.

Lá é igual aqui. O jovem de lá está tão informado quanto o daqui.

E daí a gente percebe que o preconceito social tem mão única no Brasil. Até porque, quem faz pesquisa no Brasil é o asfalto. O asfalto quer saber mais do morro porque quer mais do morro.

E daí, o que acontece é que a pesquisa sai assim, cheia de preconceito.

O que acontece é que a gente fica com essa visão do bom selvagem, purinho de coração e alma.

Igualzinho a esse artigo aqui. Igualzinho ao distinto leitor.

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