O preconceito, quem tem culpa?

Conversa na periferia, um coxinha (eu) e dois meninos de 20 anos.

– O que vocês fazem à noite quando chegam em casa e não tem balada?
– Internet né?
– Claro! Sou viciado. Orkut, MSN, bate-papo, baixo música, uns sites aí…

Minhas pernas tremem e para disfarçar minha emoção pergunto se eles têm computador em casa.

– Claro. Não dá para ficar sem.
– É. É o que pingo todo mês em casa. Oitenta reais, o preço da conexão de alta velocidade.

É assim agora. Pobre tem computador, pobre entra na internet, pobre consome e se expressa. Olha o preconceito aí, Fernand! Isso é lá jeito de chamar o jovem de periferia?

Continuo o papo. Queria saber mais. Eu não estava em Calcutá, só no morro, longe do asfalto.

– Como é que a gente se dá bem aqui no baile?
– Ah, tem que tá com as marcas, né?
– É só aparecer com o tênis X ou o celular Y na mão que já vêm as cachorras pra cima de você.

É assim agora. Pobre consome marcas, pobre escolhe as marcas, pobre se monta pra chover cachorra. Olha o preconceito aí, leitor. Cachorra não é o que você está pensando. É o jeito meio sem jeito de falar das garotas.

E assim vai o papo, quase uma iniciação pro coxinha aqui.

Chego em casa e tomo de assalto o computador. Estava precisando desabafar. Escrevo um artigo. Daqueles. Cheio de metáforas, difícil, hermético. Baixou um sentido de urgência urgentíssima.

Eu tinha vontade de dizer “Gente, a gente chegou lá! Eu sabia!”, mas só falei do meu preconceito, do nosso preconceito mediado por pesquisas que nós, os coxinhas, fazemos. Que nós, os do asfalto, interpretamos. E a gente confia. Jogo Corinthians X Palmeiras. Os dois comentam o jogo para um terceiro que não foi. Ué, os dois estavam no mesmo estádio? Viram as mesmas jogadas?

O entusiasmo era tanto que não controlei meu complexo de enciclopedista. Eram os bons selvagens falando de internet, de expressão, de leitura seletiva, de escolha, de opinião. Um preconceito às avessas. Porque é assim. A mídia fala de lá e a gente acha que lá eles assistem. E, lá, a mídia fala, daqui e eles acham que aqui a gente assiste. Uma farsa míope bem orquestrada. Deixa pra lá.

O artigo foi publicado e começo a receber mensagens. Espontâneas, entusiastas, de gente desconhecida. Gente que mora lá, longe do asfalto. Gente da periferia. Olha o preconceito!

Não sei o que fica agora. Não sei o que pensar. Porque não acredito mais nas pesquisas e nem na mídia. Nas pesquisas do asfalto, na mídia do asfalto. Nosso olhar, nossas ferramentas, nossa comunicação é inocentemente preconceituosa.

Só sei dizer que vamos pensar nisso tudo. Vamos pensar nas nossas pesquisas. Vamos pensar na nossa mídia. Só sei dizer, afirmar, peremptoriamente, que, se a sociedade, as empresas, as marcas querem falar com o jovem brasileiro, é melhor pensar de novo na internet. Sério. Ou seja, investindo dinheiro. Bastante e certo.

Senão é morte anunciada. Senão, daqui a pouco, a gente só vai estar falando para os velhos achando que estamos atingindo os jovens. “Ué, as pesquisas dizem! Ué? O que está acontecendo?”

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