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A sociedade da colaboração

A propaganda sempre foi muito permeável aos modismos. Nada contra, muito pelo contrário.

Para lembrar de alguns recentes, teve o tempo das pesquisas etnográficas (não existe observação passiva), o da Internet (mídias mortas, convergências e outras hiperbólicas transformações), o do branding (a visão holística – outro modismo – das marcas), o do despertar da emoção na comunicação das marcas (essa é velha), o das tendências (desperte a parabólica que exista em você), o do buzz-marketing (o boca-a-boca, não diga, funciona), o do marketing viral (misto de telefone sem fio com fofoca exponencial).

E por aí vai, sem falar de outros mais periféricos. A propaganda da propaganda, a argentinização dos formatos, o barroco revisitado, os pastiches pseudobregas, a photoshopização desenfreada, a criação do povo para o povo e pelo povo. Me ajudem, tem muitos outros!

Não cabe nenhum tipo de crítica aqui, pois o publicitário é o mais esponjoso dos seres.

No entanto, o debate é raro. E quando surge, dificilmente ele transcende a anedota, o frasismo metafórico, a vaidade lustrosa.

A introdução é longa, mas – outra característica da publicidade – quem resiste às alfinetadas?

Parece, porém, que poucos conseguem encarar com mais seriedade a transformação que está na nossa fuça. E quando falo em encarar, não significa cacarejar, significa trabalhar, enfrentar e experimentar.

E dessa fez, não se trata de um modismo. Longe disso.

Afinal, o que é esse tal de colaborativismo?

Vou usar um recorrente artifício para qualificá-lo: a enumeração de argumentos no melhor estilo dos manuais acadêmicos, aliás, um modismo que também grassa por aí.

E são dez os mandamentos, claro.

1. Os bits da fama

Hoje é fácil, barato, rápido, eficiente emitir opinião, divulgá-la e construir reputação. Basta ter um e-mail, um blog, um megafone digital qualquer. Uma andorinha faz um verão.

2. A referência desavergonhada

A informação, a análise, os scoops, a documentação, as referências estão ao alcance de todos. Basta ter curiosidade e meio neurônio para vomitar Maffesoli e Derrida “com meia dúzia de hiperlink. Por outro lado, é verdade que a difusão de conhecimento não é sonho, é realidade.

3. A cultura da superficialidade

Desde 68 que os especialistas estão desempregados. É rei quem souber um pouco de tudo e conseguir surfar confortavelmente por todos os assuntos. Quem ainda duvida da capacidade infinita do cérebro humano está com Alzheimer.

4. Copio ergo sum

Foi-se o tempo em que uma reputação se construía à base de trabalho e autoria. É rei hoje quem mais rápido copia sem sequer cogitar citar a fonte. Acredita-se tanto no “chupo porque posso”, quanto no “chupa-me porque gosto”.

5. Eu vi primeiro

Ver antes é infinitamente mais importante do que ver certo. As reputações se constroem por sobre a capacidade de encontrar antes e – corolário indispensável – difundir imediatamente sem comprovação necessária. Não se engane, o importante não é achar, mas divulgar. E isso é lindo.

6. De graça é mais legal

Não há dinheiro no mundo para fiscalizar, repreender ou policiar o fluxo de negócios que namoram com algum tipo de ilegalidade no “Long Tail”. E é inquestionável a fertilidade e utilidade dessa “flexibilização” compulsória da legalidade.

7. Mestiçagem é bom

A heterose é profícua. E não há limites para a mestiçagem, nem rigor, nem vergonha. Não importa de onde vem a influência nem a coerência e muito menos o consentimento da origem. Definitivamente não existe geração espontânea na criação.

8. A novidade efêmera

Nada é novo por muito tempo. Embora a novidade seja a mais universal e excitante das molas intelectuais, ela dura pouco. O Zeitgeist é uma fofoca.

9. Dinheiro, dinheiro, dinheiro

Dinheiro é a mola de todas as iniciativas. E dinheiro não tem ética, nem vergonha. Dinheiro é o que eu vou ter com a fama, com o conhecimento, com a capacidade de saber um pouco de tudo, com o que copio, com a divulgação do que vi antes, com o que consegui sem pagar, com a mestiçagem da minha produção, com a natação no Zeitgeist, com o dinheiro que eu vou conseguir com tudo isso.

10. Sociedade da colaboração é um eufemismo

Quem leu até aqui pode achar que tudo isso é feio, horrível, degradante. Se chegou a essa conclusão, das duas uma: ou não entendeu nada ou é muito falso. Mas pouco importa o que se acha, o que importa é o que rola. E quem for contra o que rola, vai se enrolar.

Esses são os 10 postulados da nossa sociedade que – modismos – chamamos de sociedade da colaboração.

A mensagem final, no entanto, talvez seja mais importante do que todas as constatações acima. Mais importante do que constatar é conviver. É conseguir encontrar uma via que seja capaz de conciliar estruturas poderosas com novas ainda subterrâneas. Estruturas em cheque com novas forças. Conciliar, e não subverter.

Você já ouviu falar no Creative Commons?

O Copyright é entrave à memória, difusão e organização.

“Recente pesquisa da IDC indica que 161 bilhões de gigabytes de informação foram gerados no ano passado em todo mundo. “

Não faço a menor idéia de como essa pesquisa fez para calcular, mas é certo que a conclusão de que não há espaço suficiente para armazenar tantos dados não surpreende nem choca.

Mas me parece que o assunto pode ser muito mais interessante do que simplesmente mais um desses googolplex que poluem nossa existência.

Sabe-se, portanto e também, que não existe dinheiro no mundo capaz de digitalizar, armazenar e organizar toda a produção cultural da nossa espécie. Nem a de hoje nem a do passado, muito menos a do futuro.

Isso nos coloca uma pergunta: o que faremos com ela?

A excessiva proteção aos direitos autorais não estaria sendo um real – e inflexível – entrave não somente à difusão de conhecimento mas também à perpetuação da memória cultural?

Enquanto o debate a respeito das leis de Copyright corre solto, existem talvez mais argumentos a considerar nesse embate que colocam em perspectivas alternativas urgentes às legislações atuais.

Por exemplo, talvez exista uma forma de encarar, a disseminação dos softwares P to P como um grande benefício de bem comum. Em pró da memória, em outras palavras. A capilaridade extrema da capacidade de armazenagem beneficia a memória. A difusão desse conteúdo de usuário para usuário além de compartilhar essa produção, de forma igualitária, democrática e barata, economiza a caríssima intermediação de servidores.

Esse é um ponto da questão.

O outro é a própria digitalização dos conteúdos do passado. Certamente não existe dinheiro suficiente na economia para digitalizar tudo aquilo que ainda é analógico ou físico. E mais uma vez, não nos cabe (e não cabe a ninguém) julgar esse conteúdo. Já estou vendo os excitados de plantão (vide autoritários) propondo uma classificação daquilo que vale a pena perpetuar. Portanto, mais uma vez, a capilaridade dos recursos de digitalização beneficiam a memória. Cada vez que uma pessoa digitaliza algo que não tinha memória digital – e mesmo que tivesse – além de dividir com o mundo a produção da humanidade através dos softwares P to P ou por qualquer outro meio digital (email por exemplo), economiza muito dinheiro.

Mais há mais um ponto.

Ainda que se possa imaginar que haja dinheiro, tempo e interesse comercial em se digitalizar e armazenar tudo que foi, é ou será produzido pelos homens, quem é que vai organizar tudo isso? Como vai ser? Talvez a alternativa, mais uma vez, seja de capilarizar a curadoria de conteúdos. Em outras palavras, os conteúdos serão organizados pelos próprios infinitos difusores dos mesmos. Muito mais fácil assim de encontrar o que se procura. Divide-se mais uma vez a responsabilidade e melhora-se a qualidade.

Esses são mais alguns argumentos que deveriam entrar em debate, acredito, cada vez que estamos discutindo direito autoral versus alternativas como o Creative Commons.