A ilha

Não me lembro como fui parar naquela ilha. Deve ter sido pelo mar, ou pelo ar, ou simplesmente uma viagem sonhada. Lá estava eu, na praia deserta, com sede e calor. Como eu estava molhado, percebi que chovia e que as gotas eram salgadas.

Como é da minha natureza, procurei imediatamente o que fazer, varrendo da cabeça as conjecturas da chegada e do destino. Olhei para os lados e descobri uma pequena trilha que se abria entre dois bosques cerrados. Saltitei de alegria, com o convite evidente e corri para dentro da mata.

Andei, tropecei e enlameei-me todo. Apesar do caminho aparecer bastante delineado, a pressa me fazia escorregar, titubear e me espatifar de cara no chão. Para evitar o contágio da razão, obstinei-me mais ainda para dentro. Tampouco encontrei estímulos para a contemplação da mata, que sem dúvida devia ser linda.

Não me lembro de nada, só das quedas e do meu miserável estado, quando dei de cara com um elefante anão tomando sol numa clareira. Ele estava todo esticado numa esteira florida, com enormes óculos de sol verdes. Quando me aproximei de sua preguiça, ele levantou as sobrancelhas. Sem saber direito o que dizer, perguntei-lhe o caminho.

–    É por aqui?
–    É sim, senhor. Mas é longe.
–    Muito?
–    Muito. Mas se quiser, levo o Senhor até lá.

Aceitei, mesmo sem ter a mínima idéia de onde era lá. Subi no seu pescoço e papeamos longamente. Falamos da vida e, como ele era um especialista em astronomia, interessei-me pelo desenho das constelações que ele descrevia com preciosa poesia. Ele era muito amável.

Nem senti o tempo passar, devo ter cochilado até. Mas logo estava eu de pé numa aconchegante choupana. O elefante estava a meu lado, descansando a trompa no meu ombro. O ambiente era de um luxo silencioso e, apesar da precariedade da construção sobre palafitas de bambu, voluptuosos sofás de veludo, cômodas de marfim, lustres de cristal e profundos tapetes pesavam no assoalho de cipó trançado.

Num canto, duas senhoras distintas trabalhavam num tear, bebericando suavemente em enormes xícaras de porcelana. Elas conversavam também numa língua aguda. Do outro lado, apoiado na janela que dava para uma baía ensolarada, uma pessoa de costa cantarolava algum folclore repetitivo.

E no centro da sala, a mesa estava deliciosamente posta. A ordem dos incontáveis talheres e copos, os arabescos da toalha de linho, as cadeiras de alto espaldar e as travessas que transbordavam de fantasia envergonharam-me: lá estava eu, ensopado, sujo, maltrapilho e acompanhado de um turista paquidérmico.

Até hoje não sei o que me deu, mas ensaiei fugir pela porta, assoviando para meu amigo desengonçado. Entretanto, sorriso das moças do tear me fulgurou. Dei para trás e, de mãos dadas com elas, sentei-me à mesa. O cantor acompanhou-nos também, assim como o elefante que, com muita graça, empertigou-se na cabeceira.

Banqueteamos alegremente, celebrando o acaso e a fantasia. Quem sabe um dia, não nos encontramos por lá? Vamos?

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