Safári nécessaire

“Paris” e “nada para fazer” são duas coisas que não andam juntas nunca. Portanto, resolvi atender às encomendas e uma em particular me obcecou. Eu diria até que foi uma experiência fascinante, bizarra e perturbadora: tratava-se de uns cremes novos.

Comecei pelo óbvio: free-shop. “Homens! Como são simplificadores!” É claro que não tinha nem sinal do tal do creme.

Chegando em Paris, fui ao que me parecia ser o templo supremo da vaidade BCBG: o Bon Marché. “Homens! Como são ingênuos!” Se fosse para achar no Bon Marché, não precisava pedir. Nada do tal do creme.

Pensei que poderia ser uma questão de estoque e procurei em três das lojas de departamentos mais anabolizadas. “Homens! Só resolvem no atacado!” Claro que não tinha na Printemps, nas Galleries Lafayette e muito menos no BHV.

Achei que não tinha usado a cabeça direito. Procurei na Internet. E claro, a Internet é mentirosa. Ela dizia: “À venda em todas as lojas de departamentos bem-nascidas de Paris”. Fui mais fundo e comecei a ligar para as lojas: se os bits mentem, a voz não. Mas eu não contava com o mais louco frenesi consumista do mundo por um lado e o mais florido dos humores por outro: final do ano em Paris e franceses. “Senhor, não posso informar, desolé, o senhor tem que vir à loja”.

Finalmente – vou encurtar outras etapas da peregrinação, passando por lojinhas fofinhas, com vendedoras amabilíssimas – e, de conselhos em conselhos, aterrissei naquilo que, em outros tempos, eu chamaria de templo mundial da fatuidade capitalista: a Sephora dos Champs Elysées. (Cuidado, não é qualquer Sephora, é a dos Champs Elysées!). Vamos falar sério, vamos falar com especialistas. Aprendi ali, por exemplo, entre muitas outras coisas, que qualidade sem quantidade não serve para nada. Não caia nessa nunca! Quantidade sem qualidade não serve, e nem o contrário. Quando o assunto é sério, tem que ter os dois.

A Sephora foi a mais lisérgica das minhas experiências. Gente se esfregando, odores, cores, sons, tudo ao mesmo tempo se mexendo freneticamente. Quase desmaiei, mas eu tinha ligado o único botão que um homem possui e só queria saber dos tais cremes!

Passei uma hora deambulando pelas estantes, ébrio, viajando e é óbvio que não encontrei nada e tampouco consegui colocar nada na minha cestinha de compras. Ou melhor, coloquei e tirei, coloquei e tirei, coloquei e tirei. Pelo exercício da osmose contagiante. Pelo pânico. Pela patologia consumista.

Aí, entreguei os pontos e procurei uma consultora. Era linda, alta, magra, cabelos sedosos, pele de berinjela, maravilhosa, inteligente, descontroladamente francesa e muito sábia.

– Procuro produtos da Stella McCartney. Aquele lançamento eco-minimalista? (quis mostrar que eu estava super por dentro).
– Por aqui.

Em menos de 30 segundos, lá estava meu unicórnio, meu pégaso, meu narval-de-chifre-mágico abatido nas minhas mãos.

Mas não, não pode ser tão simples. NÃO! Em nome do meu esforço, em nome da minha caçada perigosa, em nome da minha masculinidade resolvi aceitar o convite: “Em que mais posso ajudar, senhor?”

Pedi então para ela me explicar tudo e principalmente por que esse ou aquele. Ela sorriu e respondeu:

– Não é esse ou aquele . É esse “e” aquele.

Esperta ela. Mas não me dei por vencido e perguntei de quantos estávamos falando. Ela sorriu e respondeu:

– Depende da pele, da mulher, da idade, dos objetivos.

A saída clássica do relativismo. Claro, ela tinha que justificar todo o aparato. E eu tinha lá meu objetivo. Queria desconcertar o charme daquela extraordinária vendedora. “Mas assim as mulheres ficam a vida inteira passando cremes?” Mais um sorriso:

– A vida e o dia, senhor.

Simples assim. Uma espécie de escravidão. As mulheres passaram séculos lutando contra o machismo e agora são submissas à indústria da beleza. “Mas quanto isso custa, meu Deus?” O maior de todos os sorrisos agora:

– Isso é um fator do tamanho do bolso da sua mulher.

Que ironia! Que desfaçatez. Falar do bolso da mulher para um homem que está fazendo compras para uma. Que provocação! “Vocês já fizeram um cálculo de probabilidades para saber quantos milhões de variáveis isso acarreta? Qual é a fórmula mágica de fatores?” E da forma mais francesa do mundo, a minha pitonisa responde:

– Bem, se a sua esposa prefere lavar o rosto com sabão de Marseille, também temos.

Foi aí que entreguei os pontos. Vencido, arrasado, completamente aniquilado, voltei para o hotel com meus dois prosaicos tesouros…

… e mais um nécessaire cheio de produtos de beleza de uma revolucionária marca de produtos masculinos.

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