Indentidade de rei

O Brasil era umas cartas, umas fotos e uma mãe.

Na escola, eu dizia que era americano e escondia o “do sul”, falava “inglês” com meu irmão, recitando as poucas palavras que conhecia do português formando incompreensíveis diálogos:

– casa, mamãe carro avião bom dia?

e ele respondia

– mingau, papagaio hora de dormir, boa noite!”.

Os meninos ficavam de boca aberta.

Minha madrinha veio nos visitar. Foi pegar-nos na escola. Ela era brasileira, portanto negra! Que excitação. Chamei os colegas para ver a brasileira, portanto negra. Decepção absoluta com a branquela de olhos azuis que veio nos pegar na escola.

Esse era o meu Brasil.

Na copa de 70 eu tinha 6 anos. Minha mãe convidava amigos brasileiros para ver os jogos em casa, em Paris. Era uma festa para adultos, e as crianças já estavam dormindo quando os gritos estouravam.

– Meninos, acordem. Quero mostrar uma coisa pra vocês.

A excitação de tanto privilégio venceu o sono e adentramos a sala toda decorada, muita gente feliz e festejando em volta da TV. “É campeão, é campeão”. Uma frase nova para meu dicionário de “inglês”?

Em cima do aparelho, uma enorme foto de um negro, portanto brasileiro, tronava. “Pelé é o rei!”

Dia seguinte na escola e eu já sabia o que era ser brasileiro. Era ser campeão. Tinha um rei: Pelé.

E todos os meninos a me perguntarem se eu era mesmo brasileiro e eu respondia em bom português “mas é claro, oui bien sur!”

Décadas depois, na F/Nazca já. Um cliente, o Zip Net. Reunião de rotina. Saio da sala do cliente e ouço uma voz, um apelo, uma rouquidão.

– Tonico, quem ta aí? Não me diga que é o Pelé.
– Ele mesmo, quer conhecer?

Antes mesmo que eu pudesse responder um óbvio “imagina, não se incomode” lá estava o homem, o rei, apertando minha mão.

Quase desmaiei de emoção.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Connect with Facebook