O ClasseCeísmo

Quando Henry Ford começou a produzir seus carros em linha de montagem, ele dizia que seu objetivo era de que cada um de seus operários fosse capaz de comprá-los.

Mas o industrial também teria dito que se poderia escolher qualquer cor de carro, desde que fosse a preta.

Essas pequenas anedotas poderiam ilustrar o atual frisson que a celebrada base da pirâmide vem provocando ao redor do mundo, em particular em um país com mais de 66% das famílias vivendo com até três salários mínimos, o nosso por exemplo.

A não ser à luz fria de pesquisas, é inegável a nossa ignorância a respeito dos nossos queridos abandonados desabonados.

E, por conta da distância que separa nosso dourado óvni dos pobres mortais, a gente usa toda a nossa capacidade de abstração e experimentação para traçar os contornos comportamentais da última fronteira comercial que nos resta penetrar: a classe C.

É assim que surgem os especialistas: dissecadores de impulsos de todos aqueles que ainda não têm a chance de consumir aquilo que deveriam para ascenderem ao status de cidadãos.

As campanhas políticas são uma referência quase inevitável. Afinal de contas, não dá para se eleger só com ricos eleitores, nem para vereador de municípios pequenos. Basta analisar os recursos técnicos de que se valem os candidatos, ao produzirem suas plataformas publicitárias para aprender os truques: palavras simples, coloquiais e gíria, repetição à exaustão, abuso de superlativos, modelos do povo, sotaques exagerados e por aí vai. Quanto à sintaxe das frases e dos textos (textos? Só se for para repetir a gritaria), ela tem que ser franciscana: sujeito-verbo-predicado, poucos adjetivos, voz passiva nem pensar, tempos complexos ainda menos.

Dizem os especialistas que a classe C tem deficiência cognitiva. E o resultado é essa propaganda-decoreba para retardados. A Classe C só gosta daquilo que pode ter. E o resultado é essa propaganda-baciada por 9,90.

O que será que estamos aprendendo com essas ciências novas? Com essas atenciosas investigações? Será que não estamos simplesmente reproduzindo a propaganda medieval dos mascates?

Talvez não seja assim tão simples. Mas será que as regras têm que ser tão primárias?

O que significa dizer que a propaganda varejista (varejeira?) de sempre é boa para atingir a classe C? Na pior das hipóteses significa que não temos absolutamente nada a aprender, porque essa é a propaganda que sempre se fez para os pobres infelizes que queremos como consumidores de nossas marcas.

Quantas pesquisas serão necessárias para entender que cada vez que usamos um filtro de classes (sociais), estamos sendo oportunistas, imediatistas e preconceituosos?

Propaganda deve falar para o coração e não para o bolso.

Quando Duveen, grande marchand, imprimiu um livro único com obras-de-arte na esperança de convencer o homem mais rico dos Estados Unidos a adquirir uma grande coleção, Ford teria respondido: “Para quê, se já tenho o livro?”

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